Em meio às fogueiras que animam os festejos juninos Brasil afora, mais complicado se tornará para o presidente Bolsonaro evitar que as chamas desfigurem sua cara cínica. Os acontecimentos dessa quarta-feira 22, para além de dar sequência ao desvendamento de escândalos envolvendo o entorno do presidente, expõem ao ridículo o discurso anticorrupção que seria o eixo temático da campanha do candidato do PL. Seria.
Mais que isso, materializam o que talvez seja a única notícia positiva nesses dias sombrios: incorporada ao projeto de ocultação de escândalos e outros desmandos do atual governo, a Polícia Federal dá uma demonstração de que setores de sua estrutura, felizmente, ainda estão empenhados em cumprir com correção o seu papel. Se a ação sofrerá solução de continuidade, por intervenção do diretor-geral, o bolsonarista Márcio Nunes de Oliveira, os próximos dias darão a ver. Sejamos otimistas.
O fato é que as queimaduras serão profundas e a campanha tortuosa de Jair Bolsonaro tende a carregar feridas difíceis de cicatrizar no exíguo espaço de tempo que separa a prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e pastores evangélicos que atuavam à frente do verdadeiro balcão de negócios em que se transformou a pasta – e na malversação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), das eleições de outubro.
Se a produção institucional da ignorância é política pública no atual governo, conforme examina exemplarmente bem o professor Conrado Hübner Mendes, da USP, em artigo notável publicado na Folha de S. Paulo, na edição desta quinta-feira 22 (data em que sento para produzir o texto desta coluna), a fim de manter em sigilo criminoso os escândalos que se multiplicam no governo de Jair Bolsonaro, as coisas, por gigantescas em termos de malfeitos, parecem estar fugindo de controle e a tendência é a podridão tomar conta dos corredores do Planalto nesses próximos dias.
Ressurgem na pauta do noticiário, inevitavelmente, na contramão do silêncio imposto por sigilos centenários, fatos contra os quais não existem argumentos: bandalheira na compra de vacinas; tráfico de influência de filhos do presidente em favor de empresas contratadas; lobistas de armas na agenda do presidente, com a cumplicidade do então ministro da Justiça Sergio Moro; gastos exorbitantes com cartão corporativo; cheques de rachadinhas para a primeira-dama etc., para não falar do que ainda poderá vir à tona no que diz respeito, direta ou indiretamente, aos acontecimentos que culminaram com os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.
De mal a pior, o governo de Jair Bolsonaro vai assumindo uma cara monstruosa, mesmo antes que os efeitos da queimadura indelével exijam muito mais que a operação plástica de que nos falou ontem o jornalista Fernando Gabeira. O caso, como se vê, poderá levar o mito a ser apenas o que é: um mito.
Não os das histórias de deuses e heróis de que nos falou gente da envergadura de Thomas Bulfinch e Mircea Eliade, diga-se em tempo.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
0 comentários