“Para se ser feliz até um certo ponto é preciso ter-se sofrido até esse mesmo ponto.’’ – Edgar Allan Poe
Apesar de a vida não valer lá essas coisas, penso, considero que, aqui e acolá, temos momentos de uma alegria quase que emulando à perenidade. Sim, tais momentos nos trazem um gostinho de como seria uma vida feliz, infinda em sua natureza plena. Mas lembre-se, amigo leitor, utilizei o verbo no gerúndio: ‘‘emulando’’; o que significa que ele, o referido momento passante, apenas se assemelha a um, digamos, ‘‘protótipo’’ do que seria, não do que é de fato.
Tais momentos variam de pessoa para pessoa, evidentemente. Nossos gostos, interesses, concepções, ideologias, conceitos, pensamentos e afins, obviamente, variam bastante, ou quase nunca se assemelham, na verdade. Somos todos um universo único, cada um – muito embora alguns universos se encontrem demasiadamente desinteressantes e não aparenta conter vida inteligente naquele espaço oco, dado o existir vago de alguns indivíduos, que veem os dias passarem pela ótica de uma vida primária, animalesca, empobrecedora.
Ao recostar-me na da cama, cansado após mais um dia enfadonho e estressante de trabalho, com uma cerveja repousada ao lado, ao alcance da mão, um cigarro aceso e um livro aberto, encontro não um momento, mas ‘‘O’’ momento! É aí que sou levado para o meu mundo particularmente redentor. Sinto-me vivo enquanto imerso no torpor alcoólico do líquido gelado que sorvo com gosto, na medida exata em que mergulho nas páginas profundas e na consciência do autor escolhido, na trama e nas personagens por mim conhecidos.
A vida sem literatura, é triste e apequenada. Bem como a vida sem álcool. Não há vida, para mim, fora deste contexto. Sei que há outras formas de se viver; mas essas outras formas não me dizem respeito. Sou alheio a elas, e as nego para mim. Aplique-as à sua vida, caso lhe apeteça, preclaro leitor. Não há formulas prontas que se possa servir a ninguém, e sabemos que viver segundo os conceitos e experiências dos outros, é viver à sombra de terceiros; é perder a sua identidade e a vida que deve ser regida seguindo os propósitos, desejos e inclinações de cada indivíduo.
A vida, meu caro amigo, para mim, enquanto momento enaltecedor, é composta por arte e torpor. Serve para todos? Aplica-se a todos? Claro que não. Enquanto unidade, sim, serve para mim. É quando o mundo se cala e o nosso interior fala. É quando a cerveja cai no copo e o livro abre a mente. É quando as comportas da paz finalmente são abertas e nos é despejado um banho de calmaria por alguns instantes. E a mente viaja, e o corpo, letárgico, ‘‘adormece’’ enquanto acordado.
Se há algum momento pelo qual se valha viver, meu caro leitor, certamente é este que vos relatei. Eu não desejaria uma vida sem tais prazeres que, embora aparentemente simples, são relativamente raros e sobremaneira valiosos. Encontre o seu momento… se encontrando.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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