A noite começava devagar… Confirmavam isto as seis badaladas do sino da igreja matriz.
A casa era em frente à praça, ao lado da igreja. Os pardais se agitavam fazendo grande ruído, enquanto as luzes se acendiam lentamente.
Ela então, vindo do banho, usando um vestido longo, discreto e asseado, punha o par de cadeiras na calçada para esperar o amado noivo. Antes, durante a tarde, estiva a ler a Filoteia de São Francisco de Sales:
Uma mulher pode e deve se enfeitar melhor quando está com o seu marido, sabendo que ele a deseja; mas, se o fizer em sua ausência, haveria de perguntar-se a quem quererá agradar com isso. As moças se concedem mais adornos, porque podem desejar agradar a muitos, contanto que suas intenções sejam de ganhar um só coração para o casamento legítimo.
O noivo chegou pouco depois das dezenove horas. Elegante, perfumado, ansioso por mais uma visita. Noivavam há três anos, sonhando com o grande dia do sagrado matrimônio.
Ela o acolhe com pureza; um sorriso casto, gestos comedidos como convém a uma moça finamente educada. Beijam-se com discrição, sentam-se e começam uma agradável palestra. Falam sobre planos futuros: o casamento, filhos, a aquisição dos bens. Por certo há, com cautela, beijos um pouco mais ousados; talvez algumas carícias… Mas tudo sob o controle da tradição e da família. Ela deve casar-se virgem e é feliz por isso. É um penhor da fé e da pureza. Reafirmo: eles estão totalmente plenos ali, naquela calçada, à meia-luz de um começo de noite. (Minha avó foi feliz assim; minha mãe foi feliz assim. Por que o mundo virou pelo avesso?).
O mês é o dos festejos da Padroeira. O casal combina ir às novenas, depois visitar as quermesses. Deus é uma presença constante. (em breve será politicamente incorreto até falar sobre Deus!).
Enquanto conversam, cadeiras lado a lado, têm as mãos entrelaçadas. Às vezes, ternamente, ele acaricia o longo, negro e liso cabelo dela. Ela afaga o rosto dele; mãos finas, puras. As unhas bem delineadas e pintadas com um esmalte de tom rosa. Sempre rosa ou azul bem claro. O vermelho vivo é só para as mulheres casadas.
O tempo dos noivos é fugidio e tão breve… as horas passam céleres… Crianças brincam na praça; a brisa noturna é acolhedora e faz pensar em coisas boas. Brilham os olhos deles tocados por um amor santificado. A Sagrada Permanência, a Santa Previsibilidade fundamentam e consolidam este sentimento. Cegamente ele pode confiar nela. Irá amá-lo e segui-lo sempre. Cuidará da casa, dos filhos, será obediente e fiel. Uma boa esposa é a imagem de Nossa Senhora na terra.
Um pouco antes das dez horas, antes que o sino os avise, eles se despedem com um beijo casto. Na noite seguinte ele virá, assim como nas próximas. No domingo vão à missa, por certo. Quanta ternura, quanta paz há naquele olhar de fim de noite…. the milk of the Paradise, como diria o poeta Coleridge.
Tenho saudades daquela Ordem, daqueles Valores; de quando os princípios não eram chamados de preconceitos. Vivemos na caoticidade. A Civilização caminha para o colapso!
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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