Li durante o Carnaval “O Novo Czar, ascensão e reinado de Vladimir Putin” (Editora Amarilys, 2015), de Steven Lee Myers, abrangente biografia do presidente russo Vladimir Putin.
Começo por recomendá-la aos que, desconhecendo-a, estiverem interessados em conhecer a formação de um autocrata típico, movido por um ideário fundamentalista, frio e absolutamente indiferente às consequências de ações que possam resultar na consecução de seus objetivos.
O autor é jornalista e ex-diretor do escritório de Moscou do jornal The New York Times, o que, é natural, pode levar a juízos precipitados sobre o que está por trás da pesquisa. Nada, contudo, que se contraponha à veracidade dos fatos, e que se prova de forma decisiva desde a invasão da Ucrânia pelos russos há uma semana.
Não é muito lembrar, no entanto, algumas de suas tomadas de posição mais desastradas antes do ataque covarde ao país vizinho: em 2002, na tentativa de conter atos de terroristas chechenos no teatro Dubrovka, em Moscou, determinou que forças especiais russas colocassem gás venenoso no sistema de ar condicionado levando à morte por intoxicação algo em torno de 200 pessoas; dois anos depois, numa escola de Beslan, ordenou ações militares que resultaram em 300 mortos, dois terços deles, crianças; entre outras muitas medidas que se sustentam no endurecimento do seu governo despótico, a exemplo do controle das instâncias jurídicas, com centralização quase absoluta do poder político, é assustador o que fez contra críticos do seu governo e jornalistas: os casos mais extremos registraram a morte de Anna Politkovskaya (ela era crítica de Putin em sua política contra a Chechênia e foi fuzilada em outubro de 2006); e o envenenamento por substâncias radioativas do ex-espião russo Aleksandr Litvinenko, exilado na Grã Bretanha, em novembro do mesmo ano. Para não falar de tantos outros que o livro de Steven Lee Myers explora de modo investigativo e exemplarmente sensível, traçando uma narrativa que se estende da pobreza abjeta em São Petersburgo (Leningrado, à época), sua escalada na KGB (hoje Serviço Federal de Segurança) e a consolidação de seu governo no Kremlin.
Um livro importante para que se possa entender o que está por trás da invasão da Ucrânia e vai além das razões apontadas por seus defensores, muito embora procedentes do ponto de vista da geopolítica clássica.
Não se trata, assim, de fechar os olhos para o que fizeram e fazem os americanos na contramão do que professam em relação às práticas russas – e que se expressam de forma inequívoca no encurralador cerco da OTAN à Rússia. Sob este aspecto, por sinal, é que se veem leituras as mais estapafúrdias sobre o posicionamento político-ideológico de Vladimir Putin, independentemente do ataque indefensável contra os ucranianos. Também Hitler se sentia ameaçado, em 1939, antes de fazer o que fez.
Ademais, é juízo grosseiro do ponto de vista intelectual rotular Vladimir Putin de esquerdista sob qualquer aspecto. Aqui, diga-se em tempo, é que o livro de Steven Lee Myers deve ser lido com redobrada atenção, pois que o líder russo não pode ser identificado senão como um típico quadro da extrema-direita, o que explica, em muito, a aparentemente desavisada visita de Jair Bolsonaro a Moscou. E a posição assumida pelo presidente brasileiro em face da guerra na Ucrânia, diferentemente do que fez, por exemplo, o ex-presidente Lula.
Erram setores da esquerda quando buscam saídas para explicar o que ocorre no Leste da Europa à luz de seus interesses. Não é sem propósito, registre-se, que Putin disse em seu discurso beligerante ser a Ucrânia uma invenção de Lênin. Nada mais absurdo, mais desarrazoado e criminosamente mentiroso, quando se sabe que as origens da Rússia não se encontram nos limites de suas fronteiras territoriais de hoje, mas na Ucrânia, mais precisamente em redor de sua capital Kiev. Esta, aliás, a razão por que se dão de forma tão complicada as relações de amor e ódio entre os dois povos.
Voltar à questão tomando por base o que ocorreu a partir de 1917, com a Revolução Russa, seria demasiado complexo para o espaço de que disponho aqui, pelo que me justifico.
Ser contra Vladimir Putin, não é necessariamente fazer a opção de estar com os americanos, de ignorar os crimes igualmente hediondos cometidos por seus diferentes governos, tampouco deixar de amar a cultura, a literatura, o cinema, a música, a Arte, enfim, desse país a um tempo tão complicado e tão esplendorosamente fascinante que é a Rússia.
Mas sobre isso, falarei depois.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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