É indisfarçável o desconforto de parte significativa dos eleitores de Bolsonaro mal começa o seu oitavo mês de governo. Corrupção, nepotismo, medidas ditatoriais a cada novo dia e uma desfaçatez que enrubesce até malandro de botequim, deixam sem lugar para colocar as mãos antigos entusiastas do político inexpressivo e rude que hoje preside o país.
O mal-estar, contudo, não é bastante para levar esses eleitores a rever conceitos e juízos. Há sempre uma tentativa de encobrir fatos, a exemplo de apontar para o que consideram a má herança do PT. No fundo, exceções à parte, a coisa reflete uma identificação com as práticas autoritárias de que nos fala exemplarmente bem Lilia Moritz Schwarcz em livro obrigatório “sobre o autoritarismo brasileiro”.
No mais das vezes, o discurso é mesmo, na raiz, elitista, preconceituoso contra tudo que aponte para uma reorganização do status quo. Para a maioria, direitos humanos, liberdade, respeito às minorias e redistribuição de renda, por exemplo, são coisas de comunista, o que, convenhamos, por outro lado reflete o nível de politização de um povo que ainda vê ideias de esquerda como ameaça ao bem-estar da família e à integridade das criancinhas. É uma tristeza o que ocorre ao país.
Em tempo, já que me reportei ao belo livro de Lilia Schwarcz, é contribuição incontornável sobre o caráter nacional brasileiro, na linha investigativa do que fizeram Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Caio Prado, Florestan Fernandes, Paulo Prado e, mesmo, Darcy Ribeiro e Mário de Andrade, para aludir a grandes intérpretes do Brasil. Autores que se voltaram para os brasileiros, pelo viés da ensaística, da história descritiva ou mesmo da ficção, na tentativa de estabelecer a sua identidade enquanto nação.
Mas é importante frisar: Lilia Schwarcz, como nenhum dos nomes citados acima, mesmo aqueles de extração mais à esquerda, aborda a questão da identidade brasileira em uma nova chave, o que resulta numa incontornável tese a expor o abismo de diferença que separa o discurso da realidade.
O fato, como a confirmar o vazio e a inconsistência do que dizem os eleitores de Bolsonaro a que me referi antes, é que somos um povo perversamente excludente e autoritário, na contramão do que professa a mitologia nacional. O que se vê hoje (e o “voto” que lhe deu origem), mais traduz a verdade que dói: ao eleger um neofascista para presidente, esses eleitores apenas expressaram com essa escolha a herança perversa da escravidão. O ódio como ato político.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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