Meus bons leitores acreditarão nesta minha história. Jamais mentiria para eles. Escrever requer sinceridade, verdade total de alma. O eu lírico é uma criação de idiotas para os idiotas que acreditam nele. Eu sempre escrevo sobre o que vivi.
O evento que passo a narrar deu-se em uma noite, mais ou menos há um ano antes de o meu amigo descobrir as suas doenças: o problema grave no coração e o câncer de pele que o matou. Estávamos animados, iríamos assistir a um jogo importante do nosso time. E beber muito, como era de costume.
Quando nos preparávamos para sair, inesperadamente o meu carro apresentou um problema e estancou. Tentamos acionar o motor muitas, muitas vezes. Nada adiantou. Já estava perto da hora do jogo e o lugar onde o veríamos era um pouco longe. Perdemos a noite? Pensaste, leitor. Nunca. Ao lado do velho Airton nada estava perdido. “Vamos andando”, eu disse. Ele concordou. Ele era homem para toda e qualquer situação. Certa vez dormiu dentro deste citado carro só porque o alarme não quis funcionar. Que amigo faria tal coisa? Ele fez. E numerosas outras atitudes de pura fidelidade a um amigo.
Volto ao caso. Fomos caminhando. Uns dez quarteirões, dos grandes. Fomos rindo; era uma situação atípica. Chegamos a tempo de assistir ao jogo integralmente. Nosso Flamengo perdeu de goleada para o Corinthians. A noite não foi bem o que esperamos.
Mesmo assim, talvez por causa da euforia etílica, não estávamos tristes. Conversávamos a caminhar de volta para casa. Amenidades, conversas sem importância maior. Já era tarde, talvez perto da meia-noite. Lembro que passávamos ao lado de um terreno baldio quando, eu próprio não sei por quê, fiz aquela pergunta. Na verdade um acordo, um pacto. “Velho amigo – eu disse – aquele que morrer primeiro aparecerá para o outro; está bem?” O meu amigo não tinha medo de nada. Disse simplesmente: “Certo, tudo bem.”
Seria apenas uma conversa tola, embora sobre a morte. Talvez hoje eu nem mais lembrasse dela. Entretanto, nunca a esqueci. O motivo foi este: no mesmo instante em que apertamos as mãos para selar o pacto um vento forte varreu as velhas árvores do terreno ao nosso lado. Foi muito estranho, pois a noite estava quente, não soprava sequer uma brisa. E aquele vendaval ter surgido inesperadamente! Mais do que estranho, foi perturbador.
Aquilo passou-se, nunca mais comentamos. Mas a cena voltou à minha mente várias vezes quando o meu amigo estava muito doente, já sem esperanças de recuperação. O câncer, maldita doença, o matou. Minha dor foi e ainda é inominável. Penso nele todos os dias.
No velório, um outro amigo a quem eu havia contado esta história, tomado por curiosidade e por uma certa indiscrição, perguntou-me reservadamente: “Então, o Airton já apareceu para ti?” A minha resposta na ocasião foi a mesma que darei aqui para o leitor: “Não, ainda não. Mas estou esperando!”
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