O problema é nosso

29/05/2021

Luana Marques
lua-marques@live.com
Cientista Social e doutoranda em Sociologia

Na última sessão da Câmara dos Vereadores de Iguatu, realizada no dia 25 de maio, em uma atitude polêmica, para dizer o mínimo, o vereador Rubenildo Cadeira (Republicanos) proporcionou uma das cenas mais assombrosas já protagonizadas na Casa. Ele abriu confronto explícito com uma cidadã, advogada Hyasmine Souza, membro do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, quando esta trazia reflexões sobre o projeto de criação do “dia municipal da conscientização antiaborto”.

Há uma variedade de temas que podem ser debatidos a partir do discurso e intervenções do vereador Rubenildo. Para evitar entremeios, comecemos pela última frase por ele proferida: “o problema é seu”. Ao ouvirmos essa frase em um ambiente cotidiano e informal, ela nos causa algum desconforto pelo fundamento inerente nela, pois se traduz como: “sou indiferente ao problema”. Como sabemos, no processo civilizatório, construído ao longo de milênios, não existe indiferença quando o assunto é socialização de um tema público, sobretudo. A despeito do relevante debate travado na Câmara, que merece ser amadurecido nas suas múltiplas expressões, este artigo de opinião busca entender e discutir o que há de substancial no tratamento do vereador para com os civis.

É sabido pelos agentes do meio político que os processos democráticos são exercícios, isto é, precisam ser revisados e estimulados. A filósofa judia Hannah Arendt, quando cobria o julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann, refletiu a respeito da banalização do mal, sendo este um dos principais motivos que levariam a posturas totalitárias. Arendt escreveu em outro livro que “a política trata da convivência entre os diferentes”. A partir das observações de Arendt, convido os leitores, especialmente o vereador Rubenildo Cadeira, a repensar o sentido da política e, principalmente, a compostura no âmbito dos espaços públicos. A representante do Conselho teve sua fala literalmente silenciada por força de inúmeras interrupções. Fica a pergunta sonora: será esse o exercício democrático que precisamos?

O ato de não ouvir, somado à interrupção e à desagradável frase “o problema é seu”, vem nos lembrar que o diálogo é um dos elementos fundamentais da sociedade, isto já sabido desde Platão. O movimento entre tese e antítese produz a conversa e, como finalidade, o consenso. A deferência ao contraditório é um preceito básico da vida. O que experimentamos ao compreender o fato ocorrido se relaciona também aos princípios primários da convivência social. Ademais, não bastasse o desrespeito em silenciar uma interlocutora – atitude reprovável em qualquer circunstância -, o evento se deu em uma arena política e pública; em razão disso, toca em aspectos da institucionalidade e da democracia. Em completa consequência da publicidade do episódio: vereadores, esse problema é nosso. Hoje ele é um problema social.

A forma como o evento foi conduzido e também uma interpretação resumida das questões a ele pertinentes tornam nítido que a fatídica sessão alcançou o nível do absurdo. Portanto, cabe lembrar aos representantes do povo que zelem pelos instrumentos públicos e, principalmente, que usem de suas falas para fomentar as virtudes sociais, tais como a solenidade e o respeito. É inegável que a Câmara dos Vereadores de Iguatu tem o papel de representar os interesses de uma grande parcela do povo iguatuense. Afinal, foram eleitos a partir do voto popular. Contudo, como toda representação, a Câmara pode optar por representar as boas qualidades sociais ou os defeitos parciais.

Por fim, relembro humildemente que, nas próximas sessões, os vereadores também podem priorizar a representação do que há de virtuoso na população. Seria honroso assistir a discursos respeitosos por parte dos vereadores. Seria igualmente decorosa uma atitude de desculpas públicas na próxima sessão. Aguardo ansiosa.

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