A velha recolhia-se cedo. Era antiquíssima, baixa, encurvada. Usava uma camisola bordada e repetida. Disse boa noite e deixou os dois a sós. Isso sempre acontecia. Mas nessa noite eles aproveitaram os dois meses de namoro pra passar a fase do beijo – abraço – mãos. Um colchão no meio da sala. A também antiquíssima desculpa do filme. Ela de vestido de seda azul; ele, de short jeans. Ela estirou as pernas na direção dele, puxando o lençol para se cobrirem. Aninhou a cabeça no ombro dele. Ele estava ofegante. Inexperiente, passou as mãos na nuca dela. Ela deu uma risada que o envergonhou.
Ficaram em silêncio. Sabiam, ou melhor, não sabiam o que fazer. E o filme sem graça continuava: difuso, tedioso, intragável. Ele quis mostrar que tinha experiência: tomou-a pra si, viril; ela se deixou deslizar em seus braços. Dava para ouvir os roncos da velha no quarto à esquerda. Aproveitaram pra prolongar o beijo. Carícias e risos.
– Ela pode aparecer a qualquer momento, tem o sono leve, disse ela segurando as mãos dele.
O vento uivava lá fora. O portão rangia com fúria. A velha balbuciava alguma coisa, semiacordada. Mas, depois de um tempo, voltou a silenciar. Olhos nos olhos. É a hora! Ela tomou a iniciativa e aproximou-se. Tateando no escuro do amontoado de lençóis… O trouxe pra si, num beijo que continha fúria e ternura.
Após alguns minutos sem qualquer referência à chegada da velha, entreolharam-se, tímidos. E o vento trazia na porta o silêncio de Deus. O silêncio do jardim: a voz silenciosa que vem chamar os responsáveis. Sentiram a culpa antecipada: a iminência do quase.
A velha acorda pra tomar água. Ele faz o gesto que já está indo embora. Despede-se dela.
– Vá com Deus, meu filho, diz a velha.
Depois que ela se recolhe, os dois ainda ficam no portão. Ela confere se a velha dorme. Volta com um sorrisinho. Tomaram gosto pelo pecado. Nas pontas dos pés, mais beijos. Ela se esforça pra ficar na mesma altura que ele – pés descalços em posição de bailarina. Uma moto passa defronte a casa. Já é tarde. Ele tenta dizer boa noite, mas tem de esperar mais um pouco pra poder sair. Explica a ela o porquê. Ela fica rubra e sorri baixinho.
Ele pega a bicicleta e põe para fora.
– Quando chegar em casa, me liga! Preciso saber se você chegou bem.
Ele acena que sim. Beijam-se. Selinho. Ele não pode s demorar. É tarde. Amanhã ele irá trabalhar. Deseja casar-se com ela, mas ainda não tem recursos. Mora de favor. Quando chega em casa, liga pra dizer que chegou bem. Ouve um eu te amo. Isso o faz dormir bem. No outro dia ele irá enfrentar o silêncio dos minutos sem ela. Mas esperará ansioso para estar com ela. Pensará, durante a cinza das horas, qual o próximo passo. Contará no relógio “quanto falta pras sete horas”. Chegará a casa dela perfumado, dará boa noite à velha e ficarão em silêncio – até que a velha durma outra vez.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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