“Os homens não podem melhorar uma sociedade ateando
fogo nela: precisam buscar suas antigas virtudes
e trazê-las de volta à luz.” – Russel Kirk
Na velha díade clássica da direita e da esquerda, é comum encontrarmos os seus defensores mais eufóricos execrando a corrente opositora, como se a sua fosse a salvação para todos os problemas sociais, morais e econômicos no seio da sociedade tão compelida, ora por uma, ora por outra ideologia.
Pensar em uma ideologia hermética é, além de empobrecedor enquanto pretensa eficácia, também o é enquanto compreensão sensata do mundo que nos é dado. Não falo, no entanto, em uma aceitação híbrida descabida de correntes inconciliáveis; não é esse o caso. Todavia, enrijecer tais pensamentos em um escopo que não permita se fazer perceber uma permissão de conciliação mínima de diálogo entres as mesmas, é recorrer mais uma vez em prejuízo quanto ao debate honesto que deveria conduzir a nossa diversificada ala política.
O ‘‘fazer política’’ – tanto no âmbito da atuação burocrática do legislativo, executivo e judiciário, por parte dos eleitos, e do papel do civil inserido nesse meio, enquanto parte sumamente importante – provavelmente nunca foi tão mal conduzido, mal ouvido e tão polarizado quanto nos dias atuais. E com isso não digo que seja culpa exclusivamente da direita ou da esquerda, mas de ambas, haja vista que foram elas as responsáveis pelo radicalismo que já não mais as separam das antigas extrema esquerda e extrema direita. A sua diferenciação é mínima se observarmos, por exemplo, a intolerância por parte desses grupos, quanto aos que não corroboram com suas linhas de pensamento.
Reputo que tal consequência seja oriunda da confusão que é feita quanto as visões enviesadas provindas das alas mais austeras. E o resultado é a culpabilização do ‘‘outro’’, não ‘‘dos seus’’. Vide como, com o passar do tempo, o social e o individual passaram a ser apropriado pela esquerda e pela direita, respectivamente, e nisso ocorreu de traçarem um arcabouço definidor da essência de ambos. Falar em ‘‘justiça social’’ virou sinônimo de esquerda (a boazinha), ao passo que conceitos como ‘‘direito individual’’ passou a ser intrinsecamente ‘‘coisa de direita’’ (a malvada).
Perceba como tal pensamento raso proposto é, como afirmei, empobrecedor e não permite que se saia da superficialidade quanto ao tema. E é sob essa perspectiva, sob essa leitura que se assenta os nossos críticos da era das redes sociais (acirrado ainda mais em meio a essa época pandêmica). Assim, nos afastamos do conhecimento pela via da polarização pura e simples. Não nos esforçamos o mínimo para entender o outro – e a sua eventual defesa – enquanto ser político: ao invés disso, nos acomodamos no mundo criado do conhecimento adquirido por uma espécie de osmose, posto que ler não é precisamente o imperativo categórico dessa geração de bolsonaristas e lulistas que não se condoem, que não se envergonham por começarem a debater política pelo fim ao invés do início. A base é o que importa, não o final torpe da pirâmide. Quanto ao final, aqui, já temos o resultado: desastre e imbecibilização. Sem essência, não há debate, mas tão somente troca de vaidades ferrenhas.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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