Os bons companheiros

24/08/2019

As convidadas chegaram pontualmente às sete e meia. Cumprimentaram-se. A que estava com André indagou:

– E aí, qual é a boa?

Ele disse que assistiriam a um filme. Uma cursava direito. A outra estava iniciando letras. Escolheram o filme cult mais comentado à época: Clube da luta.

O velho amigo que estava com André olhou de esguelha, como se lhe dissesse que havia gostado da amiga de sua amiga. Já a moça parecia não estar tão entusiasmada. Davi não era exatamente o que se mostrava nas fotos que ela vira na internet. Mas as fotos mentem. Ela deveria saber.

Cenas absurdas da película misturavam-se ao olhar de desinteresse de uma, e a total sonolência da outra. Os rapazes entenderam: não haveria muito assunto após o fim.

Melhor assim, pensou André. E assim foi. André pegou na mão de Raquel e a levou para o cubículo em que, qual todo estudante, guardava seus livros, cadernos e tralhas típicas da vida estudantil.

Deitaram-se no colchão surrado. Ele ainda quis comentar sobre o filme, mas a moça foi mais rápida e fitou-o com olhar safado. Treparam sem ligar se o mesmo ocorria entre a amiga dela e o velho amigo dele. Ao menos a porta do quarto era de vidro.

-Incomoda-se se eu fumar? Disse André.

– Não, desde que jogue a fumaça para lá, disse a moça, apontando para a janela do apartamento.

– Será que deu certo entre eles?

– Acho difícil, ela comentou comigo que não havia gostado.

– Quando? Não vi isso.

– As mulheres têm um código para tudo, meu bem.

– Vocês são terríveis, mesmo. Por isso não confio em mulher. Nem em você.

– Grosso! Disse a moça, e depois desatou a rir.

– Espero que ele desenrole, seria bom para fazê-lo esquecer um pouco aquela vagabunda que o corneou.

– Minha amiga não liga. E, saiba, se ela sentir que ele está mal por outra, aí é que não haverá chance.

– Ela não liga, você não liga, a seleção feminina não liga. Mulher nenhuma liga se o cara tá mal. A mulher só tem piedade quando gosta. Depois que desgosta, o cara pode virar um suicida ambulante que ela não dá a mínima.

– Qual é a tua, André? Quem foi a fulana que te deixou assim? Que te feriu ao ponto de te deixar com esse rancor todo?

– Fui beijado pelo niilismo antes mesmo de ser beijado por uma mulher. Meu avô dizia, meu pai era infeliz no casamento e dizia ao meu ouvido: “Não se case, meu filho, não se case”.

Nunca vi um homem casado feliz.

– Credo, André!

– E mais: eles viveram numa época decente, em que ainda existiam mulheres que valorizavam os homens. E já alertavam. Imagine hoje, com essa epidemia de interesseiras.

Sem querer entrar no debate, até porque a moça sabia que não sabia de nada, ela voltou a olhar para ele com aquele olhar safado. Enfim saíram do quarto, exaustos. E, perplexos, viram a cena. A amiga dela e o velho amigo dele assistiam a um filme, impávidos. Quando elas se foram, o amigo confessou que não rolou nada e que, para esperar por André, teve de ver mais dois filmes com a moça.



Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor. 

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