OS GREGOS, SEMPRE CRIANÇAS

06/11/2021

“Thou sweetly-smelling fresh, red rose…”

Dante Gabriel Rossetti

 

Uma boate, uma casa de diversões, não é só um lugar profano. Não é somente um espaço para alimentarmos a parte de nossa alma que Platão, com certo exagero, chamou “o cavalo negro da volúpia”.

Sempre que visito tão aprazível locus, e o faço sempre, sou tomado por numerosas reflexões e inspirações caríssimas. Inspira-me, escrevo.

Certa tarde, estando lá, lembrei-me de Heródoto e dos gregos. Uma jovem linda, bem jovem, dançava perto de onde eu estava. Praticamente flutuava em sua dança…

A música não comento. Vulgar. Mas ela não. Ela era uma ninfa pagã. Ademais, usava um vestido curto, branco, transparente. Evocava mesmo uma das caçadoras do séquito da deusa Diana. Os olhos tinham a cor esverdeada, quase dourada, do Farol de Alexandria ao pôr do sol. As mãos, plumas do ritmo daquela dança, teciam uma espécie de ritual de beleza… algo parecido com os mistérios de Ísis ou os sortilégios de Cleópatra escravizando generais romanos. As pernas rijas como dóricas colunas, os seios assemelhavam-se a arredondados templos de Vênus, o quadril pronunciado qual uma deliciosa pérola de Helena.

E dançava… dançava… Sem passado, sem inquietações com o porvir; um presente eterno como se fosse o gosto doce de uma suculenta fruta da estação. O hoje, sempre.

Ela era a beleza em estado natural, sem o pensar, sem a moral, sem a religião. Como não lembrar dos gregos?

Conta Heródoto sobre uma visita feita por Sólon, famoso legislador da Hélade clássica, ao Egito. Um velho sacerdote daquele país, vendo dançarinas gregas, teria dito a Sólon: “Esses seus gregos…. são sempre crianças !”.

A minha grega dançava ainda e eu a sonhar com Homeros e Hesíodos….

Claro, pensei, devo convidá-la para a minha mesa. Beber algo, conversar. Foi o que fiz. Mas por um momento ainda lembrei dos gregos, que viveram a infância do mundo; que não carregaram nos ombros a nossa imensa decadência.

Depois, naturalmente os esqueci.

 

Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)

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