Viera dos cafundós para morar na cidade. Alta, ombros arqueados, jeitosa de corpo, cabelos muito negros, um sinal vistoso no queixo. Era cuidadora de um casal idoso. Corria na cidade que também era noiva.
– Noiva? E deixou o noivo lá na baixa da égua? Então felicidade para nós quatro!
Assim falava Tadeu, que segurava um taco de sinuca na mão e de quando em quando bebericava uma cerveja barata.
No dia seguinte, aproveitou-se do formato da cidade, toda ladeira, e pretextou ajudá-la a levar as compras. Papo vai, papo vem, descobriu que Solange nunca fora noiva. O velho que a abrigava era quem supostamente tinha inventado a história para evitar visitas noturnas.
A partir daquele dia, sempre às onze, ela esgueirava-se entre os móveis e abria, sorrateira, a porta que dava para as escadas. Descia a passos lentos, coração na mão, abria o portão enferrujado e deixava Tadeu entrar.
O apartamento era obra de um barroco bêbado. Miúdo e cheio de degraus por dentro e por fora. Assimétrico. Quem passava não via quem estivesse sentado na escada que subia em forma de serpente. Tadeu viu vantagem.
– Para com isso… eles têm sono leve. Podem aparecer e nos pegar.
Ela se inclinava para baixo, ficando entre degrau e degrau, semideitada, e ele se esfregava por entre suas coxas. Mas foi preciso mais de um mês para que o ato fosse consumado.
– Não geme. Seu Amâncio é bravo. Se ele nos pega com safadeza aqui é capaz de me dar um tiro.
Perto do fim, Solange sentiu uma Presença. Quis interromper Tadeu, que não saía da posição nem se um trem de carga invadisse o apartamento.
-Tem alguém nos vendo.
– Tá doida de pedra? Se tivessem visto já teriam abrido – ele queria dizer aberto – a porta e me escorraçado daqui.
Passou. No outro dia, Solange tremeu novamente. Agora não era o ato, era a Presença.
– Hoje é ela quem está nos vendo.
– Você bebeu? Que maluquice é essa?
O rapaz foi conferir. Nenhum olho na fechadura, tudo em silêncio, vento soprando as roupas estendidas na varanda.
A sensação de serem observados na hora do ato, ora pelo velho ora pela velha, crescia em Solange. Na posição de sempre, ela costumava inclinar a cabeça miúda para trás no afã de ver quais eram as expressões dos velhos olhos. “Será que gostam do que veem? Sentem falta dos bons anos?”
Começou a ouvir pequenos barulhos, feito um ranger de porta, como se esta estivesse entreaberta.
– Hoje foi ele.
– Olha, Solange, gosto de ti, mas isso tá perdendo a graça.
Mas ela sentia certo prazer em comentar. Era como se a sensação de ser observada desse uma aura, um glamour ao ato desajeitado, feito às pressas, sobre degraus sujos.
Tadeu foi deixando de comparecer. De dar notícias. Ela esperava, repetia o ritual do primeiro dia, mandava recados.
– Está muito doente, diziam os amigos.
Um dia caiu a ficha que era desculpa e ela parou de esperar. Começou a dormir mais cedo.
Houve, porém, uma mudança súbita de humor no apartamento. Os velhos, que antes a tratavam por filha, começaram a desprezá-la. Zangavam-se por qualquer coisa. Viam malfeitos em tudo que a moça punha à mão. Começaram a privá-la das comidas que gostava. Ameaçavam colocá-la no olho da rua.
Até que um dia, mais por tédio e desgosto que por saudade, ela fez novamente o ritual. Esperou dar onze, abriu a porta, sorrateira, desceu as escadas, passos lentos, coração na mão, e ficou semideitada. Inclinou a cabeça para trás e começou a alisar as coxas, como se um outro Tadeu estivesse ali, acariciando-a.
Tremeu. Sentiu novamente a presença. Um gozo. Gozo sem Tadeu, que nunca a fez gozar. Uma espécie de beatitude.
Dias depois, os velhos devolveram a boa comida, a boa vontade e os sorrisos de outrora.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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