Na primeira vez que me chamaram, disseram que o problema era o cano da pia. Resolvi em menos de dois minutos. Tentei recusar o pagamento, mas como eles insistiram…
A mulher deveria ter seus 28, no máximo 30 anos. O homem, embora calvo e fora de forma, não deve ser muito mais velho que ela.
Depois me chamaram novamente. Problema na fossa. Mais demorado. Ela me oferece suco, refrigerante e até uma lata de cerveja, a escolher. Eu escolho olhar.
Vou até a cozinha para que ela não se incomode em sair. Peço licença. Entro. Fico próximo ao balcão. Ela despeja um suco de cor estranha
– Beterraba com laranja e hortelã”, diz. “Faz bem e dá energia”. Não gosto, mas bebo olhando para ela. Viro o copo de uma lapada só. “Estava com sede, hein?”, ela diz, rindo-se.
Ela fica muito à vontade quando eu vou. Só este mês, é a terceira vez que ela liga. Problema na descarga. Ela veste uma camisola branca, com alguns traços de renda. Ele está no trabalho. Costuma chegar tarde. Noto um líquido amarelo-claro ao fundo da privada. Tiro meus apetrechos da mochila. Mãos à obra.
Vez por outra ela aparece na porta do banheiro. Traz consigo um borrifador. Alvejante, água e álcool. Reconheço o cheiro. Ela borrifa o banheiro, como se ele estivesse fedendo. Não está.
As gotículas se misturam ao suor do meu rosto, ao calor e ao silêncio, cortado pelo murmúrio dela perguntando se estou precisando de alguma coisa.
Termino o serviço.
– Dona…? Ah, sim. Dona Sílvia, eu já terminei aqui.
– Quanto estamos te devendo?
O plural me incomoda. Somos só ela e eu. Explico que da outra vez “eles” (devo entrar no jogo dela?) me deram mais do que o trabalho merecia e que este estava pago.
Ela balança a cabeça em negativa.
– De jeito nenhum. Volto em um instante.
Ela sai do quarto toda perfumada. Abre uma bolsa chique. Pede que eu me sente por um instante. Ela também senta. Fecha a bolsa e a põe entre as pernas. Meus Deus, meu Deus! Como o olho é traiçoeiro!
Ela explica que, ao comprar a casa, não imaginava que teria tantos problemas com a encanação. Agora ela fala no singular. Tomo a liberdade de brincar:
– Graças a Deus pelos construtores de hoje em dia…
Ela ri. Eu me toco:
– Perdão. Quis dizer que… (ia dizer que esse era o meu ganha-pão, etc.)
Ela me interrompe. Levanta o dedo, como quem pede silêncio. Será o marido chegando? Não, não ouço a buzina do carro. Ela coloca a bolsa de lado e faz gesto de se levantar, abrindo a guarda.
Meu Deus, Meu Deus! Como o olho é traiçoeiro! Ela vai até a cozinha alegando ter ouvido um barulho estranho vindo de lá. Levanto e tento ver o que é.
– É o cano da pia, de novo. Rebentou. Você poderia consertar?
– Agora?
– Roberto chegará mais tarde hoje. É sexta. Não quero que ele veja essa sujeira.
Abro novamente a mochila e tiro meu equipamento. Agacho. Ela está atrás de mim. E borrifa a cozinha inteira.
As gotículas agora caem nos meus olhos, misturando-se ao suor, ao calor, ao silêncio e ao murmúrio dela perguntando se estou precisando de alguma coisa…
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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