Nem tudo é infecção numa crise epidêmica. Há de se notar que a pandemia que varre o planeta, por outros vieses, os da necessidade e criatividade, gera lá seus frutos positivos. Enquanto alguns humanos estão desnorteados com perdas, diagnóstico da Covid-19 ou por verem seus negócios sem funcionar, outros estão comemorando bons resultados, por estarem sabendo gerar as melhores oportunidades, ou seja, ‘transformando o limão na limonada’.
Gente trabalhadora que, da garagem, da sala ou da cozinha de casa, usando a ferramenta das redes sociais, está conseguindo impulsionar pequenos negócios que até então estavam no anonimato. Ressalte-se que todos os empreendimentos são do segmento de alimentos. São doces, bolos, confeitos, temperos caseiros, massas, batatas recheadas e até os pratos regionais da nossa culinária: vatapá, baião-de-dois, mungunzá.
Tempero
Na casa da acadêmica de Nutrição da FASC – Faculdade São Francisco do Ceará, Larissa Lima, 20, na Rua 03, bairro Altiplano, nasceu o ateliê, de onde a mãe dela, Decivânia Lima Silva Bezerra, 48, produz ‘temperos caseiros’ e distribui com a clientela. As vendas ocorrem pelas redes sociais. Com o nome de ‘Temperos da Dé’, Gecivânia, com a parceria da filha Larissa, mistura vegetais, cebola, alho, ervas naturais, azeite e outros ingredientes e produz um mix de 8 temperos naturais que são vendidos a toque de caixa. Pasta de alho, tempero para carnes, manteiga da terra temperada, pasta de alho para pão, cebola temperada, cebola abafada, sal temperado.
O negócio não surgiu por acaso. Gecivânia disse que sempre gostou de misturar sabores, era incentivada a ultrapassar as fronteiras de casa levando suas receitas a outros paladares. Foi o que ela fez. Para isso, contou com o suporte do esposo Francisco Néris e da irmã Thiálita, pessoas, que ela considera, foram fundamentais no alavancar do negócio. Mas a empreendedora admite que o grande sucesso mesmo ocorreu ao atender por encomenda usando o delivery, quando explodiu a pandemia e as pessoas passaram a consumir mais em casa. “Sim, ajudou. Começamos a trabalhar com delivery, que não tínhamos costume, e isso ajudou mais ainda. Se não fosse a pandemia, acho que o delivery não teria acontecido. Nos planos da Dé para o negócio, que só cresce, está sair da informalidade e ampliar as entregas para as cidades da região.
Bolos e doces
Os doces decorados e saborosos produzidos pelas mãos habilidosas da Silvana Ventura, 52, não teriam ganhado a notoriedade atual se ela e a filha Brenda, 28, digital influencer, não tivessem tido a ideia de criar edições personalizadas para as datas comemorativas (Páscoa, dia das Mães, Namorados, depois o Natal e assim em diante). O que Silvana e Brenda têm em comum com outros empreendimentos do mesmo naipe? Elas trabalham na cozinha de casa, na residência, bairro Bugi, e usam as redes sociais para vender sua produção. A exemplo de outros negócios que surgiram recentemente e estão ‘bombando’, o empreendimento de mãe e filha ainda está na informalidade, embora elas admitam que é só uma questão de tempo para a regularização. Brenda, graduada em Ciências Contábeis e acadêmica de Nutrição da FASC, é entusiasta do negócio e incentivadora da mãe. Estava trabalhando como digital influencer, mas foi arremessada para dentro de casa quando a pandemia se instalou. Brenda revelou que sua mãe já trabalhava no ramo de doces há mais de duas décadas. Segundo ela, foi por causa da crise que o negócio decolou para valer. A produção da ‘Delícias da Madame’, nome criado por mãe e filha, está focada em bolos decorados, brownie, doces (bem-casados), pão de mel, palha italiana gourmet, red velvet e as sobremesas geladas. Para as datas comemorativas, além dos produtos, as empreendedoras também pensaram nas embalagens e lançaram as caixas, latas e outras embalagens personalizadas, tudo para dar um toque, não só de sabor, mas também de delicadeza, charme e bom gosto. Todos os bolos, doces, confeitos fazem sucesso absoluto com a clientela. Entre esses, o red velvet o bolo aveludado com geleia de morango, camadas de bem-casado e chantilly, que virou febre entre os consumidores.
Brenda disse que quando passou a ter mais tempo, por causa do isolamento social, pôde ajudar mais a sua mãe e passou a enxergar outras nuances do negócio, tipo a criação de outros sabores, embalagens e as estratégias de divulgação e marketing, os serviços de entrega e o uso mais massificado das redes sociais. Para se ter ideia, do efeito do crescimento, somente no Instagram o ‘Delícias da Madame’ tem mais de 5 mil seguidores. Estrategicamente, mãe e filha dividem as tarefas. Brenda cuida do administrativo, divulgação, redes sociais, vendas, entrega, e Silvana cuida das receitas e confecção dos produtos.
Batatas
Fernando Luiz e a mãe Ana Lúcia migraram de São Paulo para Iguatu em 2019. Ana Lúcia montou um ateliê de costura no shopping Premier, mas logo mãe e filho tiveram a ideia de montar um negócio no segmento de alimentos, até então inédito em Iguatu: as batatas recheadas. Foi aí que eles lançaram a marca ‘Potato Hut’. Fernando disse que tudo é feito em casa, ele e a mãe ‘botam a mão na massa’ literalmente, para finalizar os produtos e entrega à clientela. Ele disse que as ‘batatas recheadas’, aqui, a exemplo de São Paulo, fazem o maior sucesso, e admite que foi após a explosão do coronavírus que o empreendimento tomou impulso. Eles também não se regularizaram, trabalham na informalidade, mas admitem que será necessária a formalização.
Fritura
Um empreendimento parecido também surgiu no bairro Lagoa Parque, criado pelo jovem empreendedor Felipe Bezerra, o 99% Fritak. Um tipo de salgado que leva 99% de recheio com apenas 1% de massa. Felipe Bezerra, que era dono de uma loja de pet shop, abandonou o negócio onde cuidava de bicho, para entrar num empreendimento que cuida de gente. De acordo com ele, a produção é toda artesanal, feita em casa. O negócio funciona todo dia. Começou somente com ele, hoje já tem dois auxiliares, na cozinha e nas entregas. Felipe informou que as vendas ocorrem todas pelas redes sociais. Ele é mais um empreendedor a admitir que foi a crise da pandemia que ajudou seu negócio a dar certo. Para fugir um pouco do tradicional, o empreendedor lançou o ‘Fritak em casa’. “É uma maneira de o cliente fazer parte de tudo que estamos preparando para ele”. Conforme Felipe, o produto (salgado é vendido pronto para fritar) é entregue ‘pré-pronto’, restando ao consumidor finalizar em casa.
Mungunzá e vatapá
“Para melhorar a renda, eu comecei a trabalhar com o mungunzá e o vatapá”. A frase é da Lídia Silva, 42, que é parceira da filha Carla Caroline, 23, no ‘Delícias da Lili’, que também funciona na casa delas no Alto do Jucá. Lídia contou que já trabalhava com a venda de salgados, mas quando o mundo desacelerou com a pandemia, ela também mudou de rota e passou a oferecer os pratos regionais. A mãe cuida do preparo e a filha, das entregas. Os pedidos chegam pelas redes sociais. Os clientes afirmam que os sabores são impecáveis. As entregas das chamadas ‘quentinhas’ de vatapá e mungunzá funciona na sexta-feira e sábado. Lídia e Caroline ainda trabalham na informalidade, mas não descartam regularizar para trabalhar com mais segurança e para ampliarem os negócios.
Vida e sabores
O caro leitor percebe que na maioria desses pequenos negócios abordados na reportagem um fator umbilical tem presença muito forte: a relação entre filhos e mãe. É nos doces do Delícias da Madame, nas batatas recheadas do Potato Hut, no Delícias da Lili e nos temperos aromáticos da Dé. Outra coincidência que merece registro: Larissa (Temperos da Dé) e Brenda (Delícias da Madame), são acadêmicas de Nutrição e individualmente empreendem atividades socioeconômicas semelhantes e estão no dia-a-dia, independente de crise ou não, compartilhando ideias, realizando sonhos, se reinventando e tornando a vida do outro mais prazerosa e cheia de sabores.
0 comentários