“O tempo é a forma graças à qual a vanidade das coisas aparece como a sua instabilidade, que reduz a nada todas as nossas satisfações e todas as nossas alegrias, enquanto nos perguntamos com surpresa para onde foram. Esse próprio nada é, portanto, o único elemento objectivo do tempo, ou seja, o que lhe responde na essência íntima das coisas, e assim a substância da qual ele é a expressão”.
Arthur Schopenhauer
Um café após o almoço, um cigarro e cinco minutos…trezentos segundos, não mais que isso. É o tempo de que preciso para, enquanto olhando para nada além da fumaça e do vapor dançante do cigarro e do café, refletir sobre tanta coisa. Dentre elas, uma música e uma musa, a labuta e a moeda, o cansaço e o conforto…Tenho cinco minutos… aliás, eles me têm nesse efêmero espaço temporal, logo, não mais me terá. Partirei para onde o tempo não conta, onde estive há milhões de anos: em lugar algum.
Tenho cinco minutos para pensar em como estão os meus amigos e familiares. Tenho tempo diminuto para pensar em quem pensa em mim, e em quem não pensa… tenho tempo, também, para pensar em quem finge não lembrar.
Penso enquanto, o café desce na garganta sem palavras, enquanto a cinza cai no chão da minha vida, no vão largo que pertence à mulher de sorriso fácil.
Pensei ter mais minutos… ou que o tempo me quisesse por mais tempo… Acabaram-se…Amanhã quero café e cigarro… Não é pedir muito, é? Só quero cinco minutos.
O tempo, afinal, é exíguo para quem anseia sobremaneira… Aliás, não tenho tido tempo para quase nada que não me interessa. Não tenho tempo para as últimas fofocas, as polêmicas de incautos, de néscios e suas ignorâncias convictas. Também não tenho tido tempo para imbróglios, contendas, manifestações, teses, defesas… Usufruir, gozar, lograr… Nisso devoto horas raras; momentos de pura satisfação com quem sou e tenho ao meu lado.
O tempo é escasso, e passa abruptamente: não seria prudente desperdiça-lo com quem “descobriu o mundo”, “a verdade” e a “razão absoluta”. Temo por convicções desta natureza. Prefiro a beleza do não se limitar, do não descobrir tudo, ou, melhor dizendo, de não achar que descobri tudo de que precisava.
Encontro tempo para o ser, para o sentir, para o simples ato do pensar em nada além da beleza que é a ignorância reconhecida. Nisso, encontro minha não sapiência, meu erro aceito; todo um conjunto de falhas que me fazem perceber que o melhor é evitar tentar saber o que outros acham que sabem.
Tenho tempo para mim, arranjo tempo quando me falta, mas sempre para mim. Pois é em mim que me refugio, não em quem me provoca asco. É em mim que tudo acontece e está; ela, minha sílfide e meretriz. Foi por aqui que ela passou, deixando o vazio que se preenche a cada vez que regressas e reside-me. Não, não tenho tempo para nada; viver em mim, me basta. E lá fora, o mundo arde em teorias, e a gente aqui (eu, o café e o cigarro), tendo como barulho apenas a ventania que, de quando em quando, traz algo ou alguém para mim, como safra que colhe da videira o melhor fruto para o melhor vinho. Beber é melhor que teorizar. É na incerteza que pretendo arraigar-me, sempre. Pois o acaso, esse eterno matreiro, nos oferece os piores dissabores, mas também o melhor dos sabores…
Tempo… Não tenho tido tempo… só para sobreviver, talvez…
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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