Quando a desfaçatez desconhece limites

05/12/2020

Ao tornar-se “sócio-diretor” da Alvarez & Marsal, empresa responsável pela recuperação judicial da Odebrecht, conglomerado empresarial condenado por ele mesmo quando juiz e figura central da Lava Jato, o ex-ministro Sergio Moro escancara o seu despudor e assume de forma indefensável o seu envolvimento com práticas nada condizentes com o que, à época, dizia ser a mais definitiva ação contra a corrupção do país. Tudo em troca de salários estratosféricos.

O mais irônico no festival de desfaçatez que o ex-juiz tem promovido desde que assumiu o Ministério da Justiça, como paga por ter limpado o caminho que levaria Jair Bolsonaro à presidência da República, é que a empresa de que agora Sergio Moro se torna sócio-diretor é a mesma que emitiu parecer, amparado em minuciosa investigação, de que o ex-presidente Lula nunca fora proprietário do tríplex do Guarujá, bem como fraudulento o processo que o levaria à cadeia por determinação do próprio Sergio Moro. Por oportuno, deixe-se claro o que fará o ex-juiz, segundo justificativa de sua contratação pela Alvarez & Marsal: “… desenvolvimento de políticas antifraude e corrupção”. Hilário, não fosse ridículo.

Com a experiência e o domínio de um notável repertório em termos de “jeitinhos” para alcançar seus objetivos, a que se soma o prestígio “Teflon” que ainda detém em torno de sua imagem digna de uma tela do anglo-irlandês Francis Bacon, o famigerado pintor do grotesco, dos pesadelos e das deformações faciais, é de se antever o que fará Sergio Moro a fim de desconstruir as condenações por ele mesmo formalizadas contra a Odebrecht. Além de um salário suficiente para enriquecê-lo em pouco tempo, quais não serão os outros dividendos que o inescrupuloso Moro não terá em vista, é a pergunta que não quer calar.

Por muito menos em matéria de juízo, muitas vezes sustentando suas condenações em suposições, alegando domínio dos fatos e “Garantia da ordem econômica e conveniência criminal”, Sergio Moro destruiu reputações, aniquilou realidades e levou às grades inocentes. Revoltante saber: sob o aplauso de multidões.

Fossem outros os tempos, e não maquiados os inconfessáveis interesses de uma imprensa conivente e um Judiciário omisso, os helicópteros estariam sobrevoando um certo endereço em Curitiba. Com a cobertura da Globo, claro, que seria previamente comunicada.

Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais

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