O desejo de conhecer é o início do conhecimento assim como o desejo de sobreviver é o começo da imortalidade.
Há 500 anos morria na França um dos maiores gênios da humanidade. Autor de duas das mais importantes obras da história da arte, A Última Ceia e Mona Lisa, Leonardo da Vinci (1452-1519), ou simplesmente Da Vinci, como costuma aparecer nas páginas mais cintilantes dos livros de arte, foi, no entanto, muito mais que um artista extraordinário, a quem se devem algumas das maiores conquistas da técnica pictural, a exemplo do sfumato, com que seu traço vaporoso cobria de mistério obras impagáveis da pintura.
Foi, no entanto, muito mais que um artista genial. Suas contribuições notabilizam-no como cientista, matemático, inventor, engenheiro, anatomista, escultor e arquiteto do Alto Renascimento. Mas é do artista que gostaria de falar um pouco na coluna de hoje.
Se não é numericamente expressiva a sua produção como pintor, parece não restar dúvidas de que a sua pintura atingiu uma força estética sob muitos aspectos inigualável, bem na perspectiva do que se pode ver em obras como Virgem dos Rochedos, A Adoração dos Magos, Dama com Arminho, O Batismo de Cristo e A Virgem com o Menino e Sant’ Anna, entre outras, em que sobressaem os procedimentos inconfundíveis no tratamento da luz, do sombreamento e da perspectiva, mesmo quando o rigor da análise aponta para erros de perspectiva, como n’A Anunciação, 1478, uma de suas obras mais notáveis.
Sob este aspecto, por sinal, é que resulta curiosa a falha técnica na obra de um gênio, leve-se em consideração que ninguém mais que Da Vinci pesquisou com tanta dedicação os efeitos da perspectiva na obra bidimensional de modo a que parecesse tridimensional. Este efeito, aliás, é destacado por Leonardo da Vinci com certa frequência em seus cadernos, bem na linha do que se pode observar quando afirma: “[…] dispor um corpo numa superfície plana como se tivesse sido modelado e separado daquele plano é o primeiro propósito de um pintor”.
A genialidade de Da Vinci, porém, quer como artista quer como cientista, está em que ele rompeu a dura barreira que parecia separar arte e ciência. Seus trabalhos, a Mona Lisa, por exemplo, para se fazer referência a uma obra de qualidade incontrastável, dá bem a medida do quanto o seu criador observou elementos matemáticos em sua composição. Foi além disso. Como afirma Walter Isaacson, em sua irretocável biografia do artista florentino, Da Vinci “arrancou a pele de cadáveres e delineou os músculos que movem os lábios para depois pintar o sorriso mais inesquecível do mundo”.
Mas como era Leonardo da Vinci, o que se pode dizer dele para além do que dizem os seus autorretratos por demais conhecidos? O que havia de tão inquietante no seu perfil psicológico, matéria amplamente explorada em mais de uma cinebiografia? Simples: Da Vinci foi um homem muito maior que sua obra, como só ocorre, disse sobre ele Thomas Mann, aos verdadeiros fenômenos, certas figuras extraordinárias, somando-se ao criador da Mona Lisa, Goethe e Tolstói, nessa ordem.
Além disso, para o bem e para o mal, citemos Giorgio Vasari: “Às vezes, de forma sobrenatural, uma única pessoa é milagrosamente brindada pelos céus com a beleza, graça e talento em tamanha abundância que o mais banal dos seus atos se converte em algo divino e tudo que ela faz claramente emana de Deus, não da arte dos homens”.
Atraente e gracioso, era dotado de certas características muito especiais entre os homens do seu tempo: forte, alto, elegante, bom conversador, decidido em suas escolhas, amável com os outros homens e com os animais. Em outras palavras: um ser humano muito próximo do que se pode considerar a perfeição – mesmo quando se sabe que, entre humanos, a perfeição não existe.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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