Desde o começo do problema da Covid-19, já se contam quatro meses de isolamento. No meu caso, coincidiu de estar no sítio, em Guaramiranga, para um fim de semana que pensei fosse apenas mais um fim de semana na serra. Ledo engano. Veio o anúncio da pandemia e a tempestade de matérias jornalísticas, entrevistas, mesas-redondas com infectologistas etc., a nos advertir de que ficássemos em casa. Em princípio, como presumo ter ocorrido a todo mundo, achei que fosse um período curto, duas semanas, três, e tudo haveria de voltar ao normal.
Com o passar dos dias, e a cada nova recomendação dos profissionais da saúde (o número de infectados e de mortos crescendo assustadoramente), fui caindo na real: — O problema era muito mais grave do que imaginávamos. Eu, no entanto, tinha razões para agradecer a Deus, pois, embora sozinho, estava em condições privilegiadas, num lugar aprazível e em meio aos livros com que divido minha solidão e aos filmes que adoro, enquanto tanta gente sofria coisas impensáveis pelo país afora. Ademais, podia aproveitar o tempo para produzir os textos que escrevo como uma atividade de rotina e, quem sabe, ousar: amigo das narrativas curtas, contos e crônicas à frente, poderia, na esteira das provocações de amigos, escrever o meu primeiro romance.
Mãos à obra, foi o que pensei. E vieram as primeiras páginas, os primeiros capítulos, os primeiros desafios em relação à escrita de um texto que, como todas as outras formas do gênero narrativo, tem as suas regras, sua estrutura, o seu sistema próprio, a exigir cuidados para que, da sua produção, não venha a nascer um monstro.
Escrever prosa de ficção é uma experiência fascinante, como, de resto, para os poetas, é fascinante pôr “no papel”, em forma de poema, a beleza que dorme no íntimo de cada palavra, fazer desabrochar de sua força latente o brilho e o encanto que ganham no convívio com as outras palavras do poema.
Eis o sortilégio que absorve o talento, a sensibilidade e a dedicação de homens e mulheres através dos tempos, escritores e escritoras, de cuja atividade diária resulta um todo imensurável de obras que constituem a história da literatura de um povo, e que torna imortal o seu legado para o sem-fim dos tempos.
Ao sentar para escrever a minha coluna semanal do jornal A Praça, no cumprimento de uma ação que se materializa a cada edição do semanário ao longo desses mais de quinze anos, tomei a decisão de fazer essa pequena reflexão sobre o milagre sem nome que se processa no mais profundo da alma de todo escritor, movendo-o a tirar do léxico em estado de dicionário, como quem tira leite de pedra, o que explode diante do leitor, seja uma crônica, um conto, um romance ou um poema, em forma definida, pois, aquilo que é a mais nobre das modalidades artísticas: a literatura.
Tudo isso num país em que se tem tratado escritores, como aos tantos outros artistas, do teatro, da música, do cinema, da dança etc., como inimigos do povo, na contramão do que fazem todos os países, nos mais diferentes continentes, em reconhecimento e gratidão àqueles que dedicam suas vidas a embelezar o mundo.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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