Antônio Pereira de Oliveira
Estou beirando os noventa e dois anos de idade. As rugas no rosto, os cabelos brancos, a vista cansada e o andar lento, são marcas do tempo que surgiram logo que atingi a velhice, época que, a muitos acabrunha e abate. A velhice, entretanto, é muito subjetiva e complexa, pois além de ser uma etapa natural, pela qual todos nós temos que passar, ela não representa um fim, mas o começo de uma nova fase da vida. Como a juventude, a velhice tem os seus encantos. As pessoas com quem cruzo nos meus dias, tratam-me com certa admiração e cortesia, curvando-se em respeitosas mesuras. No ônibus lotado, alguém sede-me o lugar. Nos bancos e repartições públicas, de filas intermináveis, tenho atendimento preferencial.
A partir dos meus 70 anos, a fim de passar melhor, fui acomodando-me, resignadamente, ao peso da idade e ao quebrantamento da vitalidade. Quando na minha lenta caminhada pelos parques da cidade, alguém ultrapassa-me, correndo, cheio de disposição e energia, eu cumprimento-o sorrindo e digo – já fui ligeirinho assim e, devagar, sigo em frente.
Nunca me alarmei com a ação vagarosa e limitante do tempo, muito menos com o desmonte lento do corpo, que naturalmente vem abaixo com a velhice. Nunca me preocupei, com o desgaste da fachada, tampouco em melhorar o meu “layout”. Tenho para mim que a figura do idoso cai-me bem. Se mudá-la, temo perder a minha identidade.
Não me causam mal-estar as rugas do meu rosto, são sulcos por onde correm as lágrimas pungentes vertidas nos momentos de dor e tristeza. Depois, além de não dispor de recursos para submeter-me a uma cirurgia plástica para eliminá-las, tenho para mim que o procedimento, além de não surtir o efeito de embelezamento esperado, pode desfigurar-me. Por outro lado, gosto de meus cabelos brancos, não uso tingimentos para encobrir esse belo sinal argênteo da velhice e a vista cansada não representa um transtorno, que um par de lentes em uma armação vistosa, para auxiliá-la e proteger, não possa corrigir.
Por último, entendo que a lentidão dos movimentos, principalmente dos passos, é um sinal da natureza, que sugere moderação e cautela em tudo. Para que pressa, para que preocupação e estresse, se tenho consciência de que dei conta de tudo o que precisava ser feito, se falta pouco para o fim, se a morte pode estar na próxima esquina, ou curva da estrada. Nessa altura dos acontecimentos, visando acrescentar aos cuidados já adotados para o pleno gozo da velhice e sentir-me seguro, livre de tombos e quedas, ou outros acidentes tão comuns ao idoso, uma vez que não me adaptei ao uso da bengala, decidi sair sempre, em companhia de minha filha, que mora ali ao lado e com quem devido preciosos momentos de minha vida. Na ocasião, dou-lhe o braço, ou apoio-me em seu ombro e, tranquilo, prossigo a minha dura caminhada.
Brasília – Agosto, 2019
Paulo de Tarso Bezerra
Através do meu tio e padrinho José Adolfo de Oliveira, tive a honra de conhecer o seu grande amigo Antonio Pereira.
Ambos fizeram carreira no Banco do Brasil e na vida. Ao longo de algumas décadas da nossa existência comum, desde a minha adolescência, eu pude testemunhar o verdadeiro sentido de uma grande e fraterna amizade entre eles. Como me ensinaram esses dois!
Tive o prazer de privar da amizade com o velho Pereira e nos falávamos com frequência pelo WhatsApp. Sim, apesar de quase centenário, Pereira sempre foi afeito aos avanços da tecnologia que sempre lhe bateu à porta.
Apaixonado pelo Iguatu, logo voluntariou-se a ser um dos grandes colunistas que passaram pelo Jornal A Praça. Dando o melhor como autodidata que foi, Pereira contribuiu com inúmeras colunas, sempre trazendo ao leitor o deleite de crônicas que em tudo refletiam o seu comportamento de um apaixonado pela vida, as suas memórias, o humor fino que lhe era peculiar e a sua chegada à melhor idade. “Mandei mais uma crônica. Se achar boa, publique!”, vaticinava. Publicamos todas.
Na edição de hoje, reproduzimos uma das suas colunas escritas no ano de 2019, publicada em março de 2020. Trata-se de uma ode à vida na terceira idade.
Pereira nos deixa aos 96 anos e pôde nos ensinar a maravilha que é viver. Até o fim.
Vá em paz, querido amigo. Lá no céu, dê mais um abraço forte no meu padrinho José Adolfo e diga que por aqui tudo está bem.
Aproveitem juntos por aí essa amizade que agora se solidifica como eterna.
Obrigado por tudo, Pereira!
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