Nos últimos 67 dias, a Região Centro-Sul registrou dados estarrecedores de violência contra a mulher. Somente em três cidades do Centro-Sul, Iguatu, Acopiara e Cedro, foram 6 assassinatos. Se incluir o caso da mulher morta em São João do Jaguaribe, chega a 7 mortes.
De acordo com as investigações preliminares da polícia, as mulheres foram assassinadas pelos próprios companheiros, com quem viviam ou estavam separadas, a maioria pelos mesmos motivos: ciúmes e rejeição. Os crimes, todos, têm natureza passional porque envolvem relacionamentos mal resolvidos, separações com arestas e homens que não aceitam o fim da relação.
Um achado de cadáver no sábado, 19, levou a polícia à identificação da vítima, a dona de casa Marciana Antero Soares Alves, 41. Segundo relatos da família, ela morava no bairro Fomento e voltava para casa, depois do trabalho, mas não chegou ao seu endereço. A família procurou a polícia e o corpo de Marciana foi localizado nas margens do rio Jaguaribe, na localidade de Intãs, região do distrito de Gadelha.
A vítima tinha perfurações, provavelmente à faca, no abdômen, braço, nas costelas e principalmente nas mãos. A polícia suspeita que houve luta corporal entre a vítima e seu algoz, pelas marcas que ficaram no chão e as lesões em suas mãos. A polícia também investiga se ela foi até o local espontaneamente ou se foi vítima de ‘tocaia’ e levada para o local da morte à força. Na quinta-feira, 24, um suspeito do crime foi preso pela Polícia Civil da DDM-Delegacia de Defesa da Mulher, de Iguatu. A prisão se de seu no município de Ipaumirim. O jornal apurou que o suspeito se preparava para fugir, provavelmente para outro estado, mas a polícia chegou primeiro. Nedival Alves Wanderley Filho, 47, já tem passagem pela polícia, responde por crime de homicídio.
Foi preso por ter violado a tornozeleira eletrônica, pois cumpre pena em regime semiaberto, acusado de outro crime um homicídio em 2016. De acordo com informações da DDM, havia um mandado de prisão contra ele expedido pela justiça, por ‘quebra de regime’. Agora o suspeito será investigado pelo assassinato da ex-companheira Marciana. Nedival é irmão de outro acusado de feminicídio, Suerlândio Alves Wanderley, 43, apontado pela polícia como autor do feminicídio contra Maria da Conceição Alves Freitas, 38, conhecida como ‘Iranir’, morta com três golpes de faca, um deles à altura do pescoço, crime ocorrido no dia 13 de setembro de 2022, na Rua 13 de maio, onde a vítima trabalhava como autônoma vendendo lanches. O acusado, após o crime, tentou se evadir, mas foi preso pela polícia, ainda com a arma do crime. Ele está preso em unidade prisional da região. Segundo informações apuradas pela reportagem, o caso de Iranir é emblemático em que o crime foi motivado porque o acusado não aceitava o fim do relacionamento.
De acordo com a delegada de Defesa da Mulher, Dra. Francisca Alaiane Aguiar Nascimento, a vítima Marciana Antero, morta no sábado, 19, já havia registrado boletim de ocorrência, por estar sofrendo ameaças do acusado. A delegada informou que solicitou uma Medida Protetiva para ela, medida esta que foi determinada pelo juiz, (para que o suspeito mantivesse distância dela). A delegada informou também que a vítima havia sido encaminhada para uma unidade da Casa da Mulher Cearense, em Fortaleza, onde permaneceu por dez dias, mas resolveu voltar para Iguatu.
A delegada foi questionada sobre o porquê de a DDM não ter plantões e ficar fechada nos finais de semana, quando naturalmente aumentam as ocorrências contra mulheres. Segundo ela, por limitação de pessoal e pela falta de outra delegada para cobrir o final de semana é que as ocorrências são registradas na Delegacia Regional de Polícia Civil.
Dra. Francisca Alaiane ainda ressaltou que existem alguns fatores que por si só ainda contribuem para os casos de violência contra as mulheres como a falta de qualificação, a dependência econômica e a falta de uma rede completa de atendimento quando as mulheres precisarem de amparo em situações em que denunciam casos de violência doméstica praticada por seus companheiros e não tenham que voltar para casa, correndo o risco de serem agredidas novamente ou até mortas. A falta do funcionamento dos equipamentos públicos de atendimento à mulher no município agrava ainda mais o cenário de violência atual.
A reportagem apurou que as obras da unidade da Casa da Mulher Cearense, em Iguatu, em andamento, estão se arrastando e sem prazo para conclusão. A reportagem tentou falar com os responsáveis pela execução das obras, mas não houve retorno das ligações.
Rastro de sangue
Na lista de feminicídios dos últimos 60 dias está o caso de Patrícia Alves Matos, 24. Ela foi morta a golpes de faca em um bar no distrito de Várzea da Conceição, zona rural de Cedro, no dia 13 de outubro. O suspeito do crime é um homem com quem a vítima teve um relacionamento, teve um filho com ele, mas havia rompido. A motivação do crime teria sido porque o suspeito não aceitava o fim da relação. O suspeito compareceu à Delegacia de Iguatu, confessou o crime, prestou depoimento e está em liberdade. Quando se completaram 70 dias da morte de Patrícia, a irmã dela, uma mulher de nome Beatriz Alves Matos fez um desabafo nas redes sociais: “Sobre o feminicídio: sou Beatriz Alves, minha irmã Patrícia foi brutalmente assassinada na presença de várias pessoas inclusive do meu filho de 9 anos, hoje tem 70 dias e o acusado continua foragido, mas o que mais é dói é saber que a única pessoa que vai ficar presa o resto da vida é ela. Ela como a maioria das mulheres nunca teve coragem de denunciar todas as agressões que vivia, e quando decidiu viver, ele não aceitou e tirou de forma covarde sua vida”.
Dia antes da morte de Patrícia, Sara Silva da Costa, 24, foi assassinada a golpes de faca na Travessa Emília de Lima Pinho, no bairro São Francisco (antiga Cobal), no município de Acopiara. Vítima e acusado voltavam juntos de uma festa quando iniciaram uma discussão por motivos banais e a vítima foi morta. O acusado do crime estava em liberdade condicional e usava tornozeleira eletrônica. Após o crime, o suspeito retirou a tornozeleira e se evadiu.
Também no município de Acopiara, no dia 17 de outubro, uma adolescente foi assassinada pelo ex-companheiro no quarto de uma pousada. O suspeito do crime, segundo a polícia, tirou a própria vida, horas após o feminicídio. Antoneide Chagas Soares já havia sofrido uma tentativa de morte quando vivia maritalmente com o autor do crime.
No dia 12 de novembro, o município de Cedro voltou a ser destaque na imprensa por mais uma mulher assassinada. Milena Rodrigues, 25, foi morta a tiros numa lanchonete/bar no centro da cidade. Segundo testemunhas que viram o crime, o suspeito chegou atirando. A vítima foi executada, sem chance de reação e morreu sentada.
Nesta sexta-feira, 25, foi lembrado no mundo o Dia Internacional de Eliminação da Violência contra a Mulher. Segundo as entidades de defesa da mulher, a data é simbólica e objetiva denunciar a violência de gênero, em todo planeta, além de exigir das autoridades e do poder público as políticas públicas específicas, para erradicar este mal do meio da sociedade.
Falta apoio e incentivo
Maria Anete Gomes dos Santos, 39, autônoma, moradora de Iguatu, foi convidada num grupo de mulheres, que foram abordadas para opinar sobre a reportagem: “Analiso que nossa cidade, que tem um grande índice de feminicídio, uma população com mais de cem mil habitantes, onde existe associação de mulheres, uma delegacia da mulher, várias emissoras de rádio, jornal, e jamais vamos dizer que existe preventivo que evite as mortes, mas se a maioria das mulheres acreditasse e tivesse mais incentivo, mais acolhimento de que podem ser realmente protegidas pela justiça, talvez evitasse algumas mortes. A maioria das mulheres ao fazer uma denúncia, quando o agressor recebe a medida protetiva isso o motiva mais ainda executar logo seu desejo de matar. A maioria temendo isso nem chega a denunciar. O que que mais chama atenção na nossa cidade é exatamente onde achamos que deveria ter todo o acolhimento e correr para lá para uma denúncia ou pedir proteção, esta mesma não funciona à noite, não funciona nos finais de semana, e a maioria das mulheres não querem ir para a delegacia regional da cidade porque a percepção que se tem da proteção está justamente onde é uma DDM. Falta mais apoio e incentivo tanto as denúncias quanto a assistência da segurança pública”, ressaltou Anete.
Efetividade da legislação
“A violência contra a mulher infelizmente é um reflexo do machismo estrutural que acompanha a nossa sociedade. Antigamente, pelos anos 1920 em diante, a mulher era uma extensão do marido, a qual não possuía qualquer poder sobre seu próprio corpo, sendo uma propriedade daquele. Na década de 1960, as mulheres conseguem estar livres desta outorga dada pelos maridos para poderem trabalhar. No entanto, na mesma época existiam manuais “da mulher perfeita”, os quais consistiam basicamente em agradar o marido. Passaram-se os anos, e inúmeros direitos foram concedidos à mulher, como uma personagem relevante no papel histórico do mundo. Contudo, embora tenhamos o avanço legislativo quanto ao empoderamento feminino, os traços machistas, antes amparados pela legislação, acompanham muitas famílias na sociedade atualmente. E o reflexo disso é a morte excessiva de mulheres, em específico na Região Centro-Sul, na qual uma mulher é morta a cada dez dias. Os motivos são os mais variados, mas os principais decorrem do não aceite do parceiro após o fim do relacionamento. Infelizmente, assim como relatado, ainda que numa sociedade altamente evoluída e instruída, a coisificação da mulher ainda a coloca numa posição de propriedade de seus parceiros, que, por vezes, se sentem tão donos de nós, mulheres, que acreditam possuir o direito de retirar tudo, até a vida. Precisamos de, não apenas a efetividade da legislação existente, mas também da erradicação do ódio que a sociedade tem contra a mulher”, enfatizou Ingrid Costa Cardoso, coordenadora do curso de Direito da Urca-Iguatu; advogada militante dos direitos trabalhistas.
Basta de feminicídios!
“É brutal, é horrendo e inadmissível! Estamos falando da violência contra a mulher e do feminicídio, este último, o desfecho final de uma tragédia que se anuncia no dia a dia de mulheres atormentadas pelo fantasma cíclico da violência. Uma violência que está presente na vida diária, em sua maioria silenciada, mascarada pelo Estado e “invisível” aos olhos da sociedade. Essa violência tem raízes: o machismo e o patriarcado estrutural. Naturalizado nos discursos e brincadeiras diárias, aclamado e reproduzido por todos aqueles que se beneficiam dessa estrutura de manutenção de poder e diferenciação entre homens e mulheres, o machismo se sustenta num modelo patriarcal de sociedade e alicerça essa epidemia chamada violência de gênero. Uma legião de humanos impulsionados por uma educação que reforça e ensina que diferenças sexuais justificam a suposta superioridade de um gênero sobre o outro, nesse caso, do homem sobre a mulher. Uma geração que reproduz o papel social atribuído a mulher de se constituir num objeto para apreciação e deleite dos homens. Uma sociedade que educa um homem para prover e dominar e uma mulher para gerar e obedecer. Esse é o cenário trágico que culmina em números alarmantes de mulheres violentadas e assassinadas todos os dias no mundo e no Brasil, e o nosso Cariri, infelizmente, tem ganhado destaque frente à vitimização e morte de mulheres. Basta! A violência contra a mulher não é um problema privado, é uma questão social e de saúde pública. O Observatório da Violência e dos Direitos Humanos da URCA reforça seu compromisso de desenvolver cotidianamente ações de enfrentamento a esta mazela que persiste em nossa sociedade. Basta de violência contra a mulher! Basta de feminicídio!”, declarou Grayce Alencar Albuquerque, coordenadora do Observatório da Violência e dos Direitos Humanos da URCA
0 comentários