Emídio Rocha (médico)
Eu gostaria de iniciar esse relato sobre o milagre vivido por nós em nossa cidade na noite da segunda-feira de carnaval, onde o meu sogro, o senhor Mendes, funcionário aposentado da Caixa Econômica, sofreu um engasgo gravíssimo dentro do restaurante Vila da Telha. A partir do momento desse engasgo, ele a princípio não comunicou ninguém da mesa e tentou ir ao banheiro para ver se provocando vômito desengasgava, porém passou mal chegando a desmaiar no caminho. Neste momento o garçom chega e nos avisa que o senhor que estava na mesa acabou de passar mal na entrada do banheiro. Eu, que sou seu genro, participava da mesa em confraternização ao aniversário de uma cunhada. Ouço o garçom e corro até o local. Quando chego, encontro o senhor Mendes desmaiado e tento acordá-lo. Percebo que ele não reage aos estímulos, já se encontrando com a pele arroxeada e aí nesse momento aparecem duas pessoas que me auxiliam no socorro, um deles o subtenente Viana que ao perceber a movimentação foi até o local para auxiliar e o outro, o personal treiner Adalto que no momento também me ajudou a levantá-lo para que eu fizesse a manobra de Heimlich. Fizemos a manobra de Heimlich por cinco vezes para tentar o desengasgo, só que ele não reagiu. Nesse momento tentamos mudar o posicionamento, deitamos o Mendes no chão e ele estava desacordado. Chequei seu pulso central e percebi que o mesmo se encontrava em parada cardíaca. A sensação nesta hora foi uma mistura de medo e espanto.
Informei a minha esposa Natalya, sua filha. “Seu pai tá parado”, nisso ela no mesmo instante já vai acionar o SAMU enquanto eu e o subtenente Viana iniciamos procedimentos para tentar reanimá-lo ali no chão do restaurante. O subtenente Viana mantendo a calma sempre, eu acho que foi Deus quem colocou ele naquela situação. Iniciamos as manobras de ressuscitação com massagem cardíaca e respiração boca a boca. Eu na massagem cardíaca e o Viana na respiração. Chegamos a passar seis minutos ou um pouco mais tentando reanimá-lo e por alguns momentos eu pensava, ele não vai voltar, ele sem dar nenhum sinal de vida e o tempo passando, mas o Viana sempre mantendo o meu foco no que precisávamos fazer. “Mantenha a atenção. Vamos conseguir, a gente vai salvar ele. A gente vai salvar ele”, dizia. Prosseguimos até que em um dos momentos de ventilação o Mendes esboça um sinal de vida, checo pulso e ainda não estava forte suficiente para mantê-lo vivo. Fizemos mais um ciclo de reanimação e após o Viana fazer a ventilação novamente, o Mendes começa a respirar por conta, checo o pulso e o coração voltou a bater forte. Temos o primeiro milagre nesse momento.
Em seguida, percebendo ainda que ele se encontrava com algum sinal de engasgo, realizamos novamente a manobra de Heimlich, dessa vez com ele deitado. Nesse momento ele provoca vômito, infelizmente broncoaspirando o vômito, mas percebemos que a passagem do ar para os pulmões ficou mais satisfatória. Todo mundo ao redor diz para a gente ir por meios para o hospital. Aí bate o segundo desespero. O que é que vamos fazer? Diante do desespero a gente vai levando-o em direção à um veículo trazido pelo Guilherme, filho do Mendes, que está esperando na porta e nesse momento o Samu chega ao local. Chegou em 5 minutos mais ou menos. A Natalya acionou o SAMU com a seguinte frase: “parada no Vila da Telha.” Quando o SAMU foi tentar fazer todo aquele questionário, ela sempre repetindo “parada no Vila da Telha, preciso de uma ambulância urgente”. Isso agilizou muito a chegada do SAMU. A equipe chegou muito calma, muito preparada, mas em uma ambulância básica sem médico. A enfermeira e o motorista prontamente o colocaram na maca e na monitorização, mas sabíamos que tínhamos que chegar no hospital em poucos minutos antes que ele entrasse em parada novamente. Eu fui com eles dentro da ambulância tentando fazer ventilação por meio de um ambu, chegamos no hospital em 5 minutos. Somos recebidos pelo Dr. Arthur que estava na emergência da estabilização, nossa conhecida UTU. Dr. Arthur prontamente colhe a história e se prepara para fazer a intubação para ele entrar em ventilação mecânica, já que não estava conseguindo respirar bem e manter a pressão nesse momento. A pressão chegou a 6 por 4, saturando 70% na entrada ao hospital. Aí a gente iniciou a segunda batalha em busca dos Milagres. O Dr. Arthur nesse momento faz a intubação e retira o engasgo que ainda se encontrava lá com um pedaço de carne muito grande. Depois a gente precisa de medicamentos para manter o coração dele em funcionamento porque o coração dele está todo tempo dando sinais que irá entrar em falência novamente. Mesmo com a nossa angústia, o hospital conseguiu dar toda a estrutura necessária para esse primeiro atendimento, mas estava com todas as vagas de UTI no nosso Hospital Regional lotadas no momento. Nesse momento entrei em contato com o meu amigo Dr. Roberto Mendonça, que é irmão do nosso secretário de saúde, para ver se o mesmo poderia auxiliar nesse socorro. Para nossa felicidade ocorre mais um dos milagres, o Dr. Roberto Mendonça se encontrava de plantão naquele momento no hospital. Ele chegou, conseguiu pegar um acesso venoso central que já facilitou a administração dos medicamentos pelo Dr. Arthur e prontamente começou a ligar para todos os serviços, assim como a minha esposa Natalya que estava indo pessoalmente nos hospitais disponíveis com UTI na cidade. Ela buscou todos os serviços em busca de uma vaga de UTI em caráter de urgência. Isso já era meia-noite. A parada foi 21h. A gente chegou ao Hospital Regional 21h20, eu lembro quando a gente deu entrada. O momento da intubação foi 21h25. Demorou um tempo tentando estabilizá-lo, muito grave. A fisioterapeuta que estava de plantão, Dra. Rejane, sairia do plantão 21 horas, mas ficou até meia noite para ajudar, além do seu expediente, assim como várias outras pessoas. Se eu citar todos os nomes eu vou acabar falhando. Todos foram muito atentos em um caso tão grave. Depois que a gente estabilizou a Natalya conseguiu vaga na UTI do Hospital São Vicente e inserimos o pedido via sistema do SUS. Vaga conseguida, temos os milagres se encaixando, porque tivemos o suporte preparado do subtenente Viana no momento do ocorrido, a estabilização que eu precisei no Regional, conseguimos a vaga de UTI, mas eu não tinha um SAMU disponível com UTI móvel, já que estavam todas ocupados em transferências. Aí o Dr. Roberto consegue falar com Dr. Paulo de Tarso, que disponibiliza a ambulância UTI do Hospital São Camilo para que nós fizéssemos a transferência do Mendes para o Hospital São Vicente em vaga SUS. Nesse ponto a gente consegue perceber a conexão entre todos os serviços de saúde que temos na cidade. Com a transferência conseguida, porém com paciente muito instável, passamos ainda algumas horas no Hospital Regional tentando estabilizá-lo e conseguimos transferir para o Hospital São Vicente, chegando ainda muito instável aproximadamente três da manhã. Somos recebidos pelo Dr. Caio, a enfermeira Mabi, e a equipe que estava de plantão já nos esperando no Hospital São Vicente. A partir desse momento começa a terceira fase dos milagres, que foram os milagres para o restabelecimento da saúde do Mendes que até então estava lutando pela vida, gravíssimo. No momento da estabilização a gente sabia que seria muito difícil que a gente conseguisse.
Ele teve o suporte necessário para que saísse daquele quadro tão grave. Dr. Caio de forma impecável o recebeu e fez toda a avaliação clínica da forma mais adequada possível. Nos orientou sobre a gravidade do quadro e iniciou os cuidados de terapia intensiva. Nesse processo foram quatro dias longos onde ele chegou a fazer uso de medicamentos para funcionamento cardíaco em doses muito altas. Em doses que nós familiares como médicos paliativistas, sabemos que os pacientes não conseguem muitas vezes melhorar diante de uma situação tão crítica. Felizmente o nosso querido Mendes conseguiu suportar todo o estresse ao seu corpo devido ao quadro de choque e infecções decorrentes desse engasgo. Na sexta-feira, quatro dias depois, em um momento de visita com ele já bem mais estável, já com o risco de morte baixo, mas ainda sem sinais neurológicos de que poderia acordar e nós como familiares cientes da gravidade e da possibilidade de ele ficar com sequelas neurológicas graves. Nessa sexta às duas da tarde, no momento da visita, sua filha Natalya faz um estímulo mais vigoroso, que a gente como médico utiliza nesses momentos, e ele abre os olhos. Para a família foi uma alegria sem tamanho, mas a visita é curta e logo tiveram que se despedir. Ficamos naquela ansiedade, naquela esperança. No sábado, início da manhã, recebo uma ligação do Dr. Márcio Rodrigues do Hospital São Vicente dizendo que o Mendes estava acordado, consciente, ainda intubado, mas em processo de retirada do tubo e conseguindo movimentar os braços e as pernas. Foi uma felicidade sem parâmetros. Sabíamos que ainda teria um processo de recuperação respiratória e motora devido a gravidade do quadro, mas a felicidade foi indescritível.
Na terça-feira ele conseguiu sair da UTI, aparentemente sem sequelas, debilitado, com fragilidade pulmonar e alguma fragilidade motora, mas sem nenhuma sequela aparente que perdurará por muito tempo. Nisso a gente viveu todas essas fases do milagre. Eu e a Natalya como médicos há nove anos, nunca passamos por algo parecido. Um caso de muito sucesso para a história da nossa cidade, onde pudemos integrar todos os serviços de saúde disponíveis no município, numa segunda-feira à noite, no Carnaval.
Talvez no momento que fosse mais angustiante para quem está em um processo sofrimento como este, por meio desses Anjos de luz que cruzaram nosso caminho, vivemos um milagre e o nosso querido Mendes está com saúde restabelecida. Repito, não teria como agradecer a todos os envolvidos nominalmente por terem sido muitos os instrumentos desse milagre. Mas teria que agradecer primeiramente ao subtenente Viana, porque sem a sua tranquilidade e o seu preparo no momento do resgate, a gente não teria conseguido. Queria muito agradecer a equipe do SAMU que fez um atendimento impecável em uma velocidade extraordinária. A equipe do Hospital Regional, a qual já trabalhamos por alguns anos e vivemos momentos muito difíceis ali dentro, mas que hoje nos enche de esperança na sua reestruturação. Se não tivéssemos essa estabilização funcionante também não conseguiria ter chegado até uma UTI. Ao meu amigo Dr. Roberto, que estando de plantão, conseguiu entrar em contato com as pessoas necessárias para que tudo isso ocorresse. Ao Dr. Paulo de Tarso que no seu momento de lazer em família, numa segunda-feira noite de carnaval, saiu do lazer e foi prontamente disponibilizar sua equipe e sua ambulância para que nós fizéssemos a remoção e forneceu a estrutura necessária para a transferência. Finalmente a toda equipe do Hospital São Vicente, em nome do Dr. Márcio Rodrigues e do chefe da UTI, Dr. Hilário, que disponibilizou todo o suporte necessário e que eu posso falar e reafirmar em um nível equiparável às UTIs, dos grandes centros. A população pode se sentir segura pela estrutura de UTI acessível ao SUS que o Hospital São Vicente dispõe.
Sem qualquer uma dessas peças colocadas por Deus naquele dia estaríamos contando uma história muito diferente hoje. Muito obrigado.
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