“Sa chanson murmurée…”
Aloysius Bertrand. Gaspard de La Nuit
Gerânios e margaridas já fenecem, à hora crepuscular, nos envelhecidos jarros de bronze do jardim…
A Quinta dos Olivaes parece desolada há muito tempo. O cinza tomou todas as cores; a hera cobre as paredes centenárias. Produzia-se vinho ali. Havia luzes e festas… risos e opulência. Mas a alma das cousas e das pessoas agora jaz ressequida.
Os raios de sol douram de melancolia as vidraças ovais. O musgo cobre os lábios das estátuas espalhadas pela longa relva. Sátiros e ninfas tristes que nunca mais vão sorrir…
Poucas pessoas há na casa: O Comendador Carvalho e três criados. Seus dias cumprem uma sentença de tédio…
O Comendador teve os seus dias de luz. Agora é sombra e tristeza.
Adèle! Adèle!
Quando ela morreu tudo se fez noite. Um poço sem fundo… Ela transformava tudo à sua volta em jasmins e sorrisos.
Adèle!
Não se deve mexer em velhos baús e gavetas escuras. O Comendador procurava cartas antigas. Encontrou dolências e pranto…
Uma luva, uma luva de Adèle! Negra, delicada, com rendas. Feita para as mãos de uma sílfide. Uma relíquia pode nos matar de tristeza…
O Comendador a segurava junto ao peito; depois a beijava… depois com ela enxugava as grossas lágrimas sobre os sulcos profundos da face.
Lembrava-se… Adèle a usava em noite de festa. Tirava-a delicadamente, como fino véu que cobre os lábios de uma santa, quando ia ao piano. Adèle amava Mozart.
Lembrava-se da valsa. Quando dançaram pela primeira vez no Baile do Outono. Adéle tirou uma das luvas para pousar a delgada mão sobre o ombro do Comendador.
Agora a luva perdera o perfume de sua dona. Ninho vazio.
Adèle!
Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)
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