Para se conhecer uma cidade é necessário viver nela três dias ou trinta anos. Ao final dos trinta anos, verifica-se que o julgamento após três dias é que é o bom. Ocorre-me pensar nas palavras de Jean Cocteau (1889-1923), no caminho de volta.
Debaixo de um calor de 40 graus à sombra, voltei a Iguatu para rever amigos e matar saudade da terrinha.
Infelizmente, o que ocorre comumente aos que deixam suas “aldeias” queridas em busca do desconhecido em outras paragens, deparei com uma cidade em que não me reconheço mais. E na qual não me faço reconhecer.
Se o céu, aos olhos cansados, ainda é o mais lindo, como afirmei em crônica antiga, desfigurou-se a paisagem, tomada de prédios feios onde, ainda há pouco, havia casarões com perfumes do estilo neocolonial, impondo-se, ao mesmo tempo, pela solenidade da grandeza e sobriedade dos traços.
Onde havia jardins bem cuidados e praças acolhedoras, como a nos fazer lembrar habitações de velhos cortiços, veem-se barracas mal levantadas em que se vendem salgados e guloseimas insalubres.
Aqui, não mais as calçadas sobre as quais se ia ao longe, sem o risco de escorregões e tropeços; acolá restos do que foram, um dia, árvores multidecenárias a convidar os andantes para dois dedos de prosa sob suas copas frondosas.
Onde se viam paralelepípedos de fino corte, agora restos de asfalto a castigar, impiedosamente, aqueles que ousam sair pelas ruas, dando-lhes de bandeja cinco graus a mais de calor escaldante. Hoje, apenas sobem dos rachões e buracos, poeira e fumaça, enquanto motos tomam de açoite as vias mal sinalizadas, – e os automóveis, ainda mais ameaçadores e mal educados, colocam em risco os que se atrevem a atravessar de um meio-fio a outro.
A poluição visual é alucinante: cones, correntes, cordas, autoritários e ilegais, a demarcar como propriedade privada o que é coisa pública.
Não mais as rodas de conversa à boquinha da noite; não mais o clima ameno, a brisa generosa, o farfalhar das folhas anunciando a chegada do Aracati, tão pontual e tão doce, como a cobrir de carinho toda a cidade.
O lugar em que nasci e que guardo na memória – morro de saudade todos os dias! – , decididamente, não existe mais. É retrato na parede, como quis o poeta, em poema célebre.
Mas como dói.
*Verso conhecido, de Carlos Drummond de Andrade.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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