Luiz Paulo Ferino
Farmacêutico e professor
A automedicação, mesmo sendo muito perigoso, ainda é muito comum nos lares em todo o país. Porém, em tempos de pandemia da Covid-19, a ingestão de medicamentos por conta própria pode mascarar os sintomas do novo coronavírus, além de que as interações entre medicamentos também podem ser prejudiciais ao paciente, por conta dos efeitos colaterais, que podem causar a intoxicação e até morte. O A Praça entrevista nesta edição o iguatuense Luiz Paulo, farmacêutico, mestre em educação e primeiro neurofamacêutico do Brasil
A Praça – Percebe-se que com o isolamento social e motivado pelo medo, cresceram os níveis de ansiedade da população e consequentemente a necessidade de automedicação. O que faz povo brasileiro se destacar entre as nações do mundo pelo consumo de medicamento sem prescrição medica?
Luiz Paulo – O Brasil, de fato, lidera as estatísticas da automedicação no mundo. Pode-se considerar que para o primeiro lugar neste ranking, entre vários motivos, podemos citar: a venda indiscriminada e sem prescrição de muitas classes de medicamentos; o acesso à informações rápidas e virtuais pelo diversos sites de busca, que na maioria das vezes não possui cunho científico; cultura ocidental e imediatista para cura de doenças e amenização dos sintomas; bem como a falta de veiculação de campanhas a favor do Uso Racional de Medicamentos, onde geralmente vemos o contrário, a indução abusiva da compra de medicamentos.
A Praça – Sendo neurofamacêutico, como observa que o contexto de pandemia e o isolamento social vêm afetando os pacientes com doenças e pessoas com condições neurológicas raras?
Luiz Paulo – As atividades neurofarmacêuticas ajudam a compreender esse universo adverso que algumas pessoas vêm sofrendo. O distanciamento social, a forma correta de evitarmos novos casos da Covid-19, desfavorecem os pacientes com doenças neurológicas, já que a presença de pessoas no convívio diário, os hábitos de vida saudáveis mais livres, o acompanhamento mais de perto dos profissionais de saúde, as avaliações em centros de reabilitação, não estão acontecendo da mesma forma que antes da pandemia. Por isso, que o nosso olhar para essas pessoas e seus contextos, deve ser redobrado para que a expectativa de viver continue sendo um motivo a mais para seguir.
A Praça – Como o meio farmacêutico observa as ‘fake news’ sobre remédios que combatem o coronavírus?
Luiz Paulo – Acredito que muito além de responsabilidade farmacêutica, falar de fake news é uma dimensão político-social. Já está claro que não temos evidências laboratoriais, sobre o tratamento eficaz e seguro para o combate ao Sars-Cov-2. Os farmacêuticos, em geral, estão com uma parcela muito importante de contribuição nesse momento, a orientação de informações corretas para a população. Esses alardes falsos só prejudicam ainda mais o combate, porque em muitos casos aumenta-se a automedicação, e como consequência há o aparecimento de efeitos colaterais, como alergias, intoxicações, depressão do sistema respiratório, o que colabora para o aumento de pacientes no sistema de saúde.
A Praça – Até pouco tempo vivíamos um momento em que cuidados com o corpo atrelados a consumo de suplementos eram constantes. Eles ajudam na imunidade, e assim evitam o contágio da Covid-19?
Luiz Paulo – Deixar o corpo mais suplementado e com o sistema imunológico em alerta não é sinal de barreira para o novo coronavírus. Falamos de um novo vírus, o nosso corpo não possui uma proteção natural para esse grupo viral, portanto, todos somos suscetíveis à infecção. Podemos continuar com os nossos cuidados diários para o combate às outras doenças, mas contra a Covid-19, não.
A Praça – A maioria dos medicamentos usados desenfreadamente são que se enquadram como isentos de prescrição. Acredita que algum deles e seus compostos devem ter sua isenção revista?
Luiz Paulo – Os Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) possuem critérios específicos para a aprovação em suas resoluções. Tempo de comercialização, segurança, manejo seguro pelo paciente, são alguns deles. Então, quando aprovados podem ser vendidos. Porém, mesmo com tanta luta, ainda vivemos em um modelo biomédico com a cultura da medicalização, permitindo que as pessoas tenham muita confiança em ter esses medicamentos em casa. Acredito que muito mais do que as revisões técnicas dos medicamentos, precisamos de mudanças de hábitos na nossa sociedade galênica.
A Praça – Entre os vários consumos de medicamentos um deles também chama atenção. O uso em excesso da vitamina D pode ser prejudicial em que aspecto?
Luiz Paulo – O uso da vitamina D tem aumentado de forma exponencial nos últimos cinco anos. Alguns estudos confirmam que o uso adequado, acompanhado e seguro do composto pode colaborar para a melhora de doenças como diabetes mellitus, lúpus, artrite reumatoide e algumas doenças inflamatórias intestinais. Porém, o excesso da vitamina D no organismo pode levar a intoxicações, elevadas concentrações de cálcio no sangue e comprometimento da função renal.
A Praça – Como meio de prevenção em Iguatu, a população também vem fazendo o uso prolongado da vitamina C e paracetamol. A prova é a falta desses medicamentos em farmácias da cidade. Qual é o efeito colateral de seu uso massivo?
Luiz Paulo – A vitamina C, por exemplo, em excesso, pode causar diarreia, náusea, vômitos e podem aumentar o volume de urina. O paracetamol pode ser ainda mais grave, levando o paciente a ter reações alérgicas por todo o corpo, complicações hepáticas, febre, fraqueza muscular, com possibilidades de desordens mentais.
A Praça – Nomes como hidroxicloroquina, cloroquina e ivermectina passaram a fazer parte do cotidiano do brasileiro em tempos atuais, motivados por debates a nível nacional sobre sua eficácia no enfrentamento ao coronavírus. Como a classe farmacêutica observa a aplicação de cada medicamento neste contexto?
Luiz Paulo – Reitero aqui que os medicamentos citados não fazem parte do tratamento farmacológico para a Covid-19. As discussões acaloradas sobre as possibilidades de cloroquina e hidroxicloroquina para o combate à Covid-19 vieram a partir do resgate de alguns sucessos desses medicamentos nas últimas pandemias virais. A ivermectina, pelo processo de tentativa e erro, também utilizada em testes, mas que não comprovada cientificamente. Portanto, como há a necessidade de testes clínicos com etapas que levam um determinado tempo, falar sobre esses medicamentos, por enquanto, é espalhar fake news. Portanto, não devemos!
A Praça – No momento não há vacina de prevenção e cura da Covid-19. Como o conselho farmacêutico orienta a população no enfrentamento a essa pandemia?
Luiz Paulo – Esse espaço gerado pelo Jornal A Praça já se torna uma orientação eficaz, afinal, a boa informação é uma das principais vias de prevenção. Continuemos nas nossas casas, respeitando as recomendações das respeitáveis instituições de saúde, lavando nossas mãos com sabão e assepsia com álcool-gel e com muita proteção, usar sempre a máscara.
Perfil
Luiz Paulo da Penha Ferino é farmacêutico formado pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), residente em Neurologia e Neurocirurgia pelo Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e Mestre em Educação pela Universidade Regional do Cariri (URCA). Atualmente é professor das faculdades FASC e UNIFIC na cidade de Iguatu.
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