“Minha história? Escutai: o passado é um tumulo, perguntai ao sepulcro a história do cadáver! ele guarda o segredo… Dir-vos-á apenas que tem no seio um corpo que se corrompe! Lereis sobre a lousa um nome — e não mais!”
Álvares de Azevedo, Noite na Taverna
Certa feita estava eu no Bar do ”X”, tomando aquela velha cerveja gelada, quando me sobreveio um pensamento (ou insight, chame como quiser) – desses que temos enquanto estamos sozinhos. Enfim… Pensei sobre a morte dos amigos que ali frequentaram.
Por questão de respeito, não citarei seus nomes. O fato é que foram pessoas que fizeram o que tinham de fazer. É caso de existência dionisíaca, que Nietzsche mencionara em um de seus livros (o livro é ”A Visão Dionisíaca do Mundo”).
Aquelas cadeiras vazias denunciavam que seus cativos frequentadores partiram para outra dimensão ou para o nada absoluto, mas que, antes disso, entretanto, fizeram de suas existências o inexorável caos e prazer: díade ineliminável da condição humana.
Ali conheci pessoas de carne e osso. Pessoas que choraram os seus amores impossíveis; dormiram nas calçadas dos bares da vida; amaram e foram amados, e mal amados. Conheci deficientes físicos onde sua única limitação era a dependência de uma miserável e surrada muleta (outros – já deprecio – dependem horrivelmente de muletas metafísicas).
Conheci senhores distintos e suas falácias e ”gabolices”. Vi, ali, casais apaixonados em fim de festa; homossexuais da mais baixa qualidade e outros do mais alto respeito. Ouvi histórias de homens que foram rejeitados por outros homens e, assim, entregaram-se ao vício e a quem mais passasse por suas vidas.
Esses gays do bar ”X” me fizeram acreditar em histórias de amor mais do que muitos casais héteros. Naquele bar, fui aconselhado e aconselhador. Entre um copo e outro, muitos iam e viam. Sorriam, discutiam e, no fim, tudo terminava em galhofas.
Voltando aos mortos, cheguei à conclusão de que só os ridículos morrem, pois, para mim, ridículo é não viver a vida de acordo com as paixões desenfreadas do nosso particular instinto, desejo. Por mais estranho que se possa parecer, a felicidade pode estar em dormir na calçada ao invés de uma cama confortável.
Alguns optam pelo ostracismo, e isso não é ridículo. Ridículo é condenar as ”opções” de outrem, tratá-los mal. Se achar superior a quem aparenta estar em pior condição, é o suprassumo da estultice humana. Só os ridículos morrem!
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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