Era uma tarde nublada quando eu resolvi revisitar as páginas de “Amor de Perdição”, aquela obra tão intensamente portuguesa e desesperadamente trágica. Camilo Castelo Branco não nos deixa alternativa: ele nos empurra para dentro de um mundo onde o destino, como uma força incontrolável, age como senhor absoluto da vida, do amor e da morte.
Quem já leu sabe, ou pelo menos intui, que esse romance não é apenas uma história de amor. É um mergulho na perdição, naquilo que define o ser humano quando confrontado com o impossível. Simão Botelho e Teresa de Albuquerque não são meros personagens de uma história de amor impossível; são reféns das suas famílias, dos preconceitos e das paixões inflamadas que parecem brotar das profundezas da alma.
Simão, o jovem apaixonado e impetuoso, é o protótipo do herói trágico. Ele ama Teresa com a força de quem não conhece limites, como se o amor fosse a única causa pela qual vale a pena viver e, sobretudo, morrer. E a morte, aliás, ronda o romance como uma sombra constante. Para ele, amar é resistir. Para Teresa, amar é sacrificar-se, como se seu destino fosse o martírio silencioso.
Quando leio o nome Camilo Castelo Branco, não consigo evitar pensar no homem que, tal como seus personagens, viveu em constante tumulto. Preso várias vezes, amou perdidamente, sofreu por suas escolhas e acabou sua vida tragicamente, vítima de uma cegueira que o impediu de continuar a fazer o que amava: escrever. Talvez ele tenha posto algo de si em Simão, ou de Teresa em alguma das mulheres que amou e perdeu.
A cada página de “Amor de Perdição”, sente-se o peso das muralhas que cercam os personagens, erguidas por famílias orgulhosas e uma sociedade inflexível. Simão e Teresa não vivem apenas num mundo de amor e paixão, mas num lugar de amarras sociais intransponíveis. A oposição de seus pais não é só um empecilho; é um presságio. Naqueles tempos, o amor estava destinado a ser sufocado pelas convenções, e o sofrimento, a única constante.
E assim, o romance é um lembrete de que o amor, mesmo quando autêntico e profundo, não está livre das vicissitudes da vida. No final, a perdição é o destino inevitável para os que ousam amar sem medir consequências. Simão morre na prisão, e Teresa, exilada num convento, definha de tristeza. Um amor puro, sim, mas que não poderia sobreviver ao mundo que o cercava.
Fechei o livro, ‘‘indignado’’. Camilo não nos oferece conforto. Não há finais felizes em “Amor de Perdição”. Há apenas a sensação de que, algumas vezes, amar é perder. Mas talvez essa seja a lição mais profunda de todas: o amor, nascido de almas apaixonadas, é mais forte que o tempo, mais intenso que a morte. Talvez a perdição, no fim das contas, seja a única forma de eternidade que nos é permitida.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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