Tenente-coronel Nijair Araújo Comandante do Corpo de Bombeiros Militar

28/09/2019

Diante de um cenário abrasador, quando parece um planeta em chamas, literalmente, o A Praça foi buscar respostas com o comandante do 4º Batalhão de Bombeiros Militares – 4º BBM, tenente-coronel Nijair Araújo, que fala aos leitores sobre o quão preocupante é o quadro das queimadas e incêndios em nossa região. Do registro das ocorrências, ao combate às chamas e as campanhas de prevenção às queimadas criminosas, o especialista comenta nesta edição

A Praça – Enquanto o senhor responde esta entrevista, provavelmente em algum lugar do Centro-Sul alguma ocorrência de incêndio eclode. Por que os incêndios e queimadas viraram rotina em nossa região?

Nijair – Até 2017, esse período crítico se iniciava apenas em agosto e se estendia até o início de dezembro. Desde 2018, entretanto, houve antecipação do início dos focos de incêndios em vegetação para o mês de junho, findando em dezembro. Há pelo menos três causas principais: a elevação da temperatura, com baixa umidade relativa do ar; o aumento da velocidade dos ventos e a ação antrópica, ou seja, a ação direta do homem.

A Praça – A maioria dos incêndios e queimadas tem origem em ações criminosas ou são os fatores meramente climáticos (temperaturas elevadas, baixa umidade relativa do ar, incidência de ventos e vegetação seca)?

Nijair – 99% dos acidentes mundiais são provocados pelo homem. Apenas 1% do total das catástrofes mundiais são decorrentes de fatores naturais, como terremotos, maremotos, furacões, vulcões. Portanto, está no homem o maior valor potencial para a redução dos acidentes. Os fatores climáticos influenciam e criam um ambiente ideal para a queima. Entretanto, se reduzíssemos, implementando políticas educativas e/ou preventivas voltadas, os atos inseguros e as condições de insegurança, certamente reduziríamos o total de queimadas. Afinal, o acidente, em não tendo existência própria, depende da culpabilidade humana por meio da negligência, imprudência ou imperícia, ou de defeitos apresentados nos equipamentos produzidos pelo homem.

A Praça – Qual o balanço atual do Corpo de Bombeiros em relação às ocorrências de Incêndio na área de cobertura da corporação? Qual o município com o maior número de ocorrências?

Nijair – São mais de 100 ocorrências em menos de um mês – marco histórico para a nossa cidade. Além do quantitativo elevado, preocupa-nos o silêncio da população, pois, em nenhum dos focos debelados até agora, conseguimos chegar ao autor da prática criminosa. Precisamos do apoio de todos. É impraticável para um quartel que atende a 19 municípios atuar isoladamente no combate dos focos. Não deveríamos apenas e tão somente apagar os incêndios, mas preveni-los, evitando danos para a flora, a fauna e as populações das áreas atingidas, algumas das quais dependem quase que exclusivamente do campo.

A Praça – É possível dimensionar os prejuízos socioeconômicos e ambientais para a região com essa avalanche de incêndios e queimadas, se houvesse uma trégua agora?

Nijair – Todos perdemos. Apenas em Icó, exemplificativamente, foram mais de 2.200 hectares destruídos e vários dias de combate. Em média, gastamos 5.000 litros de água em cada uma dessas saídas. Em 100 ocorrência, portanto, foram gastos, em tese, 500.000 litros de água, justamente num período em que a nossa maior fonte de abastecimento, o Rio Trussu, atingiu o menor nível de água de todos os tempos, abaixo de 5% da sua capacidade. Some-se a isso os gastos com o deslocamento das viaturas, os homens empregados, o tempo dispendido em cada combate. Mas é justamente quando nos voltamos para as vidas perdidas, pensamos nos animais mortos e na flora destruída, que entendemos que não há preço que mensure o que se perdeu.

A Praça – O Corpo de Bombeiros de Iguatu está estruturado, no tocante à equipamentos, pessoal e viaturas para atender a tanta ocorrência?

Nijair – Triplicamos nosso poder operacional. Tínhamos uma viatura para o serviço de combate a incêndios. Atualmente, temos três, todas novas e operando. O comandante Geral da Corporação, Cel Holanda, aumentou a quantidade de bombeiros por dia e colocamos uma guarnição exclusiva para o combate ao fogo em vegetação. Nossa maior dificuldade é que muitos desses focos, em razão de as viaturas não conseguirem chegar até eles, prescindem da utilização de água e o combate é braçal, com utilização de sopradores, abafadores e bombas costais. Nosso efetivo está reduzido, mas acreditamos que haverá convocação de novos bombeiros, já concursados e aptos, para os próximos meses – é uma promessa que nos dará novo animus e nos fortalecerá institucionalmente.

A Praça – Por que as ocorrências de incêndios (especificamente os incêndios) estão começando tão cedo, em julho, agosto, quando naturalmente esses registros eram feitos no último trimestre?

Nijair – São fatores climáticos que merecem análise mais criteriosa de especialistas. Temos nossas impressões pessoais, mas a questão climática mundial, infelizmente, excetuando-se nossa realidade fática, possui muitas abordagens ideológicas que nos enchem de dúvidas e questionamentos. Existem defensores do aquecimento global que em décadas passadas defendiam o retorno a um resfriamento histórico glacial – percepções que nos parecem, no mínimo, estranhas. Nesse sentido, optamos por tratar o problema como mais um a que nos submetemos em razão da “teimosia” humana, acima de outros fatores. Prioritariamente, entendemos que há razões antropogênicas, sim, e que a natureza reage, mas dentro do equilíbrio dinâmico que o planeta possui.

A Praça – Quais são as maiores dificuldades operacionais da corporação para combater os focos de incêndios, considerando as distâncias para deslocamento, transporte da água e acesso aos locais?

Nijair – As dificuldades são exatamente essas: as distâncias entre os locais sinistrados, as extensões dos focos (alguns possuem quilômetros de extensão), os relevos acidentados demais, dificultando o acesso, e a impossibilidade, em muitos dos atendimentos, de o combate ser efetuado diretamente com a utilização da água da viatura. Quando os focos estão nas margens das rodovias ou em locais de fácil acesso, as operações são menos demoradas e mais exitosas.

A Praça – Existe legislação vigente para punir quem provoca incêndios criminosamente?

Nijair – Sim. Existe tipificação no artigo 54 da lei 9.605/98, Lei de Crimes Ambientais, e no artigo 250 do Código Penal Brasileiro. A primeira trata da preocupação estatal em manter um meio ambiente equilibrado e sadio e o Código Penal aborda a questão do crime de incêndio. Existem atenuantes e agravantes, pena de detenção, reclusão e multa, mas o mais relevante é que o cidadão tenha a consciência de que, ao efetuar queimas clandestinas, age em desacordo com a lei.

A Praça – Existe um agravante para os casos de incêndios nas margens das rodovias, por causa do risco de acidentes com a emissão da fumaça que afeta a visibilidade?

Nijair – O art. 54 da lei 9.605/98 faz referência a, em seu § 2º, II: “causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população”. Acreditamos que, em situações específicas, existindo a necessidade de os moradores se retirarem de suas residências em razão dos focos de incêndios nas margens das rodovias, o instituto referido funcione como agravante, pois, nesse caso, a pena migraria de detenção de seis meses a um ano, e multa, para a de reclusão, de um a cinco anos.

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