“Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás”. Gênesis 2:17
“E que a vida me dê razão”, assim encerrava qualquer discussão em família. Chamava-se Jacinto, ex-funcionário do DNOCS, pai de três filhos e meu tio. De quando em quando visitava nossa casa. Sempre que havia desavença, qualquer que fosse, acendia o cigarro e tomava a palavra. Todos o ouviam, mesmo tendo a fama de pai ausente, cidadão figurante e homem degenerado.
Era conhecido por seus hábitos noturnos. “Pulador de janelas”, “Talarico”, diziam. Demorei um tempo para entender que eram insinuações maliciosas, dessas que, mesmo não havendo provas e só indícios, podem pôr fim à vida de um homem.
Quando fiz quatorze anos, ele me chamou para um particular. Um parêntese para situar o leitor. Isto foi bem antes da figura do “tiozão do churrasco” virar moda. Assim não reproduzo, apenas narro.
Eu sabia que ele iria ou falar de mulher, ou de cachaça ou de ambos. Mas me fiz de rogado e fui todo ouvidos.
– Menino, preste atenção no que vou dizer. Pode ser que eu não esteja aqui por muito tempo. Esta é uma lição para a vida. “E que…” o leitor já conhece o final da sentença. Você em breve vai começar a ir atrás de rabo de saia, se é que já não foi. Já beijou?
Respondi-lhe que não.
– Toma nota: a mulher mais desejada é a mulher do amigo. Isso não pode ser evitado e você ainda não tem idade para entender o motivo. Mas fique sabendo que não importa se é a ex-mulher, a atual ou a futura, a mulher do amigo ou do conhecido será sempre sua maior tentação. Não vou cuspir regras em você. Não sou nenhum exemplo. Faça o que achar melhor. E se for escorregar, aprenda primeiro onde e como se deve cair. Agora o mais importante: o que disse sobre a mulher do amigo valerá para a sua. Ela também será desejada por eles, mesmo que não seja muito bonita. Então o que posso te ensinar é só como evitar o talarico, caso você não se torne líder dessa matilha. Primeiro: não existe santo, nem cego, nem padre e nem pastor. Desconfie até dos capados, caso ainda tenham mãos. Quanto mais bonito for o discurso deles sobre respeito, consideração, código de homens e toda essa baboseira, tanto maior seja a sua desconfiança. Desconfie, sobretudo, dos misteriosos. Desses que falam pouco, pois sempre fazem mais. Desconfie igualmente desses machões que se dizem à prova de falsidades e deslealdades. Eles fazem parte do famoso clube do “ombro amigo”, e são os mais perigosos, pois buscam atrair as mulheres sem dar a aparência de seu verdadeiro desejo. E desconfie também dos amigos dos gatos.
Perguntei ao tio que tipo era esse.
– É o amigo que precisa de você mais do que você dele. O tipo confidente, que revela carências que não sabe guardar. Esses são assim: de dia são manhosos e pedem afago; mas à noite viram pardos, e facilmente pulam o muro de casa para ir atrás das casas dos vizinhos. A vida ainda vai te mostrar outros tipos. Não se apresse em aprender. O mais importante é o que ensina a sabedoria da experiência. Não te aconselho a evitar amigos. Mas aprenda a abrir o portão sem dar às chaves. Agora preciso ir. Há alguém na cidade que não teve estas preciosas lições e que me deixou uma janela aberta. Deus te abençoe e até mais.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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