Comprada toda a bebida de que precisava, bastou apenas, agora, escolher a música adequada. Não tardaria muito, ela chegaria para mais uma noite. Certifiquei-me de que tudo estava no seu devido lugar: os livros, a louça, os petiscos… Acendi um cigarro enquanto, sentado na cadeira de plástico, a esperava. O silêncio da rua dava a impressão de que já era madrugada, todavia, não passava das 21 horas.
O portão fora empurrado e alguém subira as escadas rapidamente, num fôlego só. Bateram à porta. Abri. Molhada – chovia um pouco –, a moça das minhas companhias de sempre me disse que precisávamos conversar. Um frio percorreu a minha espinha quando ouvi a dita frase. Afinal, sabemos bem o que ela prenuncia.
Sentamos um pouco distantes um do outro. Ela, no sofá, eu, na cadeira onde há pouco saboreava aquele cigarro que se fez cinzas no cinzeiro. Olhei para o cinzeiro e pensei que minha vida logo seria como ele: só cinzas. Divaguei em demasia, de modo que sequer atentem-me para o que ela dizia… mas deu para entender a parte do “preciso de um tempo para ver o que quero da vida”. Sorri amarelo, olhei de soslaio e acendi mais um cigarro. Ofereci-lhe uma bebida – já as havia comprado mesmo! Ela recusou e disse que precisava ir. Assenti com a cabeça, sem nada pronunciar.
Sozinho no apartamento fui tomado por uma estranha paz interior. Pensei que estaria, diante da nova realidade, amargurado e triste pelo rompimento inesperado. A bebida não se fazia amarga; percebi estar, de algum modo inconsciente, bebendo para comemorar, não para afagar alguma dor amorosa. Resolvi que deveria chamar dou ou três amigos para relatar sobre a estranheza desses fatos e me ajudarem a “enxugar” esses tantos litros de cerveja que comprei.
***
Passados alguns meses, a tal “dor do amor” não me visitou em nenhuma noite. Claro que, para amenizar a solidão, revezei amores medíocres, profanos, nefastos e vulgares para ocupar o tempo. Essas donzelas soturnas me serviram de boas companhias nos dias chuvosos e nas noites lancinantes. Tornei-me mais feliz na minha solidão, presumo. Ainda estranho a ausência de sofrimento ante o término naquele dia em questão; mas talvez tenha sido alguma providência divina; talvez o Criador resolvera adormecer ou até mesmo petrifica-lo para todo o sempre – afinal, nunca mais fui o mesmo idiota; tornei-me um novo idiota: desses que a orfandade lhe presenteia com a mais perfeita indiferença para com os demais. Sim! Tornei-me pior para os demais, mas, todavia, melhor para mim… virei um Bukowski, e é isso o que realmente importa.
Cauby Fernandes é contista, cronista, desenhista e acadêmico de História
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