Uma caminhonete com placa oficial passa pela avenida transportando uma cama. Com o celular, alguém faz um vídeo da ocorrência, envia para uma redação de tevê e em poucos minutos as imagens aparecem no noticiário. Ato contínuo, o governador assina a exoneração de quem responde pela instituição a que pertence o veículo. A matéria é reproduzida à exaustão nas redes sociais. Nenhuma palavra que indique a apuração do fato, tampouco o direito de o acusado esclarecer o que realmente houve. Como, se apareceu na tevê?
O fato a que me refiro ocorreu esta semana em Fortaleza. A pessoa responsabilizada, a quem não foi dado o direito de se explicar, tem nome: Aderilo Antunes de Alcântara Filho. Foi vereador de Iguatu por pelo menos cinco mandatos. Foi vice-prefeito e prefeito da cidade. Conheço-o de perto, e fui vereador na mesma época que ele por dois mandatos. Trilhamos sempre caminhos políticos opostos, mas nos respeitamos e invariavelmente foram cordiais as nossas relações.
Vivemos um tempo de julgamentos apressados. Uma simples foto de celular, um vídeo realizado precariamente, e podem estar sendo destruídas reputações, histórias, trajetórias, sob o peso implacável do imediatismo por que orientamos nossas interpretações da realidade. O direito de defesa, a oportunidade de se fazerem esclarecimentos e de se dirimirem dúvidas, vêm depois. Por mais convincentes e condizentes com a verdade, terão, no entanto, pouca serventia. A imagem que fica é a da acusação, salvo raríssimas situações. A imagem da pessoa nunca será a mesma.
Por dever de justiça para com o senhor Aderilo Antunes de Alcântara Filho, fui a público, nos limites estreitos do meu alcance para formar opinião, mesmo para os meus conterrâneos de Iguatu, não para defendê-lo, mas para dizer que o conhecia, e que me incomodava terrivelmente vê-lo exposto à execração de muitos sem que pudesse esclarecer o fato, apontar justificativas ou mesmo desculpar-se pelo erro cometido. Quem nunca errou um dia?
De que vale uma história, de que vale o trabalho que pude acompanhar de perto em favor de sua gente, a liderança construída com suor e luta, a família merecedora de respeito, seus filhos, sua mulher, de que valem diante de um vídeo em que se vê uma caminhonete transportando uma cama?
Por outros canais, e-mail e WhatsApp, sobretudo, recebi a propósito do meu comentário, envolvendo a figura pública do senhor Aderilo Antunes de Alcântara Filho, um sem-número de mensagens discordando do que pareceu a muitos, de minha parte, uma defesa irredutível do ex-prefeito de Iguatu, a quem não vejo há muitos e muitos anos.
Não o fiz. Única e tão-somente me manifestei contra a punição açodada infligida a uma figura pública de quem, ausente da cidade de Iguatu há pelo menos duas décadas, guardo ainda as boas lembranças: a do homem cordato, afeito, como disse, a servir à comunidade.
Mas a política é mesmo dinâmica, uma vez que muitas das críticas feitas hoje a Alcântara, partiram de antigos companheiros seus de vida pública. É que políticos, com raríssimas exceções, são assim mesmo: vão e vêm ao sabor dos ventos, das conveniências e das benesses. Quanto a mim, cabe evidenciar, insisto, que Aderilo Filho e eu militamos sempre em lados políticos opostos, o que não é bastante para vê-lo como inimigo, emitindo sobre sua pessoa julgamentos que firam a minha consciência. Se errou, como dizem haver evidências, deve pagar por seu erro, mas não é justo que lhe seja negado o direito de defender-se.
No filme “Rashomon” (1950), de Akira Kurosawa, para um mesmo crime (um estupro seguido de morte), quatro testemunhas, inclusive o próprio morto, contam quatro versões diferentes. Ao final, com a beleza estética de um gênio da arte de filmar, a única luz da verdade que se pode vislumbrar, é que entre as diferentes formas de enxergar as coisas, “a vida sempre acha uma maneira de prevalecer, e nós de nos solidarizarmos com ela”.
Enquanto não restarem esclarecidos os fatos (expostos à larga nas redes sociais e num canal de tevê, num tipo de humilhação que condeno), na linha do que sempre fiz, me manifestarei contra juízos apressados que resultem na destruição de reputações e da imagem de pessoas.
A política entre os iguatuenses não pode continuar assim. Está feito o registro.
Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais
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