A história que quero lhes contar hoje tem a ver com a felicidade, por assim dizer. Eu tinha o quê? Treze, quatorze anos quando eu descobri que ela existia. Mas se quiserem saber mesmo os detalhes, terão de ter paciência, pois Juninho ensinou que a paciência é a mãe de todas as ciências. Juninho era engenhoso.
Ele era um varapau de um metro e noventa. Descobriu muito cedo a própria feiura. A mãe, uma costureira experiente, deixou claro que ele era um verdadeiro bucho. Juninho então aprendeu a dançar, jogar bola, fazer experiências com o ioiô, tampas de Coca-Cola, estilingues. Éramos feios. Logo ficamos amigos.
Eu tinha um problema sério. Era o único menino do bairro que não sabia beijar. Nada de ter tido primas professoras. Eu era feio de doer – ainda sou, mas agora sei me defender.
Então Juninho começou a me levar para as festas. Eu o via dançar feito um pássaro voa, quase sem esforço. Ele arrastava as sapatilhas, de um lado para o outro, em movimentos rápidos, levando as moças para lá e para cá. Quando eu piscava, ele já tinha vencido as resistências.
Ele usava umas calças boca de sino para disfarçar a magreza das pernas. Camisas feitas pelas mãos da mãe, de modo a enlarguecer seus ombros e tórax. Vá lá tivesse gerado um menino feio, mas um moleque desarrumado, de jeito nenhum!
O diabo é que eu era desengonçado. E medroso. Então a virgindade labial continuou. Chegaram as festas de São João. Juninho traçou um plano. Explicou como eu poderia fingir que era experiente na arte do beijo. Porém, ele advertiu, sob hipótese alguma eu deveria tomar a iniciativa.
Disse que eu esperasse até tarde, depois da meia-noite, que era quando os casais já estavam formados. Então eu deveria olhar para uma moça que não tivesse feito par. Assim eu fiz. Avistei uma moça sozinha. Perguntei se ela queria dançar. E foi então que descobri a felicidade.
Após uns minutos, ela olhou para mim e disse:
– Ei, espera aí, você não sabe dançar!
Caímos na gargalhada e ela me beijou. Eu deixei que ela fizesse tudo, apenas acompanhei seus movimentos.
Quando eu regressei, Juninho disse o seguinte:
– Teu lábio tá sujo de batom.
Eu levei a manga da camisa branca à boca.
– Mentira sua!
– É verdade. Você acabou de se entregar.
Rimos. Ele fez uma dança esquisita que sempre fazia quando estava feliz. Ele ficou feliz por mim, eu fiquei feliz por mim. Talvez até a moça ficou feliz, porque eu a fiz rir.
Então eu descobri, a partir daquele dia, que a felicidade podia corromper. Eu desejei, nos dias festivos que se seguiram, que a experiência se repetisse. Mas a moça não veio. Outras não quiseram dançar, nem rir. E eu comecei a achar que tudo foi um sonho. Um desses raros dias debaixo do sol em que temos um sonho bom.
Foi aí que conheci a dor. Um dia cheguei em casa e notei movimentos estranhos. Conversas baixas. Um tom soturno. Disseram que eu chinelasse até a casa de Juninho. Achei que era porque naquele dia ele tinha medalhado nos jogos da escola. Só que não. Ele chegara em casa todo feliz pela medalha de ouro e encontrara o pai enforcado, pendurado em uma cadeira. Nunca mais ele dançou ou riu. Definhava. Não saía. A mãe culpava os filhos, os credores, os amigos de bar, o diabo!
Eu levei a carga dele por alguns anos. E aprendi que a dor também corrompe. Então entendi que tanto a dor como a felicidade, no fim das contas, dão no mesmo. Lembrei do primeiro beijo. De como foi sublime, vivo, espontâneo, leve. Sem planejamento. Lembrei da morte do pai de Juninho, sem motivo aparente, súbito, como num impulso. E descobri que a felicidade não estava no beijo. Nem a dor estava na morte implacável. Onde ela está? Não sei. Você sabe?
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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