Fabrício Moreira da Costa
(Advogado, contista e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/Subsecção do Vale do Salgado)
O que me traz a esta tribuna livre hoje é um profundo sentimento de alegria, reconhecimento e fé na humanidade.
Compartilho com vocês um fato do meio jurídico que me afagou a alma e massageou o espírito, por seu ineditismo e grandeza humanística. Adianto que não é intenção deste escriba tecer loas gratuitas ou fazer qualquer proselitismo.
O pensador, filósofo e escritor francês Charles-Louis de Secondat, imortalizado como Barão de Montesquieu, cunhou uma frase no século XVIII que desde os tempos de acadêmico de Direito, palpita em minha cabeça e norteia minha carreira de advogado militante nas lides criminais.
Disse Montesquieu: “A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.
Pois bem!
É partindo desse aforismo que passo a lhes contar o objeto desse artigo, sem antes, evidentemente, rogar o consentimento do Doutor Promotor de Justiça Leydomar Nunes Pereira. No ano de 2009, quando o Doutor Leydomar exercia o cargo de Promotor de Justiça na Comarca de Campos Sales/CE, deparou-se com um processo criminal pelo qual dois rapazes estavam presos em flagrante há mais de 06(seis) meses e denunciados por tráfico de drogas.
Como não era o Promotor do caso à época da prisão, o Dr. Leydomar Pereira debruçou-se no estudo do processo com peculiar percuciência.
Foi aí que história daqueles dois réus mudou de rumo. Com seu acurado senso de justiça e humanismo, o citado representante do Ministério Público constatou que havia nos autos do processo, sobeja prova de aqueles indigitados réus haviam sido torturados pela polícia para confessar o crime de tráfico de entorpecentes.
À época, infelizmente, o processo já estava em fase de julgamento e os dois réus foram condenados e mantidos presos pelo Doutor Juiz de Direito daquela urbe. Até aqui seria mais um dos milhões de casos criminais que pululam nos fóruns e tribunais brasileiros.
Todavia, o Dr. Leydomar num gesto de incomum altruísmo profissional, superior senso de justiça e louvável espírito humanista, irresignado com aquela cristalina injustiça impetrou, ele próprio, um Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará em favor daqueles réus.
Não conheço a peça de Habeas Corpus, mas pelo cabedal jurídico e intelectual do Dr. Leydomar aliado a convicção do direito que arguia, convenceram o Tribunal de Justiça que concedeu a ordem e restituiu a liberdade daqueles infelizes presos.
O caráter sui generis e o ineditismo do caso ora narrado saltam aos olhos. Mesmo aqueles que não são do meio jurídico sabem que o Ministério Público, enquanto “advogado da sociedade” e fiscal da lei é quem pede a prisão e a condenação dos que cometem algum crime. Porém, quando campeia o arbítrio, o autoritarismo e a injustiça, é nessas horas que afloram os justos e sobressaem os humanos.
O Ministério Público é o dominus litis (dono da ação penal), mas também, e muitos dos seus membros esquecem ou fazem vistas grossas, é custos legis (fiscal da lei ou da legalidade).
O Dr. Leydomar encarna o espírito do verdadeiro promotor de justiça; aquele que promove a justiça, independente do sistema estatal ou da opinião de quem quer que seja.
Confesso que, nos meus quase 30(trinta) anos de militância na advocacia jamais vi um Promotor de Justiça impetrar um Habeas Corpus para soltar um preso!
Esse louvável e memorável fato me remete a história do moleiro de Sans-Souci, da obra de François Andrieux e a célebre frase: “Ainda há juízes em Berlim”.
Parafraseando ou fazendo o trocadilho, o caso aqui narrado e a atitude incomum, altiva, heterodoxa, humanista e, principalmente, JUSTA do Promotor de Justiça Leydomar Nunes Pereira nos autoriza (porque não?) a dizer: “Ainda há promotores de justiça no Brasil!”
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