As sociedades se repetem. Nós nos repetimos. Mazelas: cortiços morais, mediocridade coletiva, cinismo histriônico – o pacote está completo.
Machado de Assis, ao dedicar ao verme suas memórias póstumas, foi irônico, mas trazia decepções nas palavras. Foi sarcástico, mas estava enxertado de frustrações que regurgitavam dentro da percepção aguçada e singular que possuía. O que existe no mundo social, normalmente perpassa pelo campo da literatura, desde os clássicos épicos, satíricos ou trágicos, até as tirinhas ‘inocentes’ que nos alegram ou fazem refletir. Desde a sensibilidade poética, densa em cada verso, ao extenso romance em prosa, há discretos traços de cada um de nós em tudo. De Karl Marx a Antonio Gramsci, pouco mudou. Em verdade, apenas se virou a pirâmide de ponta-cabeça, embaralhando estrutura e superestrutura, sem que se alterasse a essência destrutiva, tão claramente encontrada em Hegel – afinal, tudo é possível de ser pensado e sujeito e mundo são inseparáveis.
O mesmo Bruxo do Cosme Velho, agora em Dom Casmurro, alerta sobre os olhos que o Diabo deu à Capitu – olhos de cigana oblíqua e dissimulada, na percepção insidiosa de José Dias. Entretanto, na ingenuidade apaixonada de Bentinho, o olhar da donzela era – apenas – um olhar de ressaca, uma força que arrastava para dentro. Para dentro, nesse sentido, seria a tentação que os olhos, oblíquos ou de ressaca, causam em nossas pulsões freudianas, na tênue e frágil linha que separa o mental e o somático, alterando nosso metabolismo e cutucando, com vara curta, os estímulos que repercutem em nosso corpo, vítima e algoz?
Num carro e fora dele, após o flagrante, estava mais uma crônica das vicissitudes que escandalizam a sociedade carcomida pelas aparências. Os vermes machadianos – ‘não o do trem, mas o do Fausto: Aí vindes outra vez, inquietas sombras?’ – entraram em polvorosa, mas, pasmem: em defesa do mal! Relativizaram o surto, escarneceram e ainda escarnecem do marido traído, que perdoou – atitude insuficiente para que merecesse o arrefecimento dos ânimos dos machões-Casanova, espalhados por todos os cantos, que teimam em humilhar um homem que está ao rés do chão. Não basta a hipocrisia da falsa moralidade? Quem não tem pecado (quem não traiu ou foi traído, sabe-se lá…) que atire a primeira pedra.
‘O que os olhos não veem o coração não sente’, mas as câmeras dos mentecaptos captam – apenas na sinestesia da arte é que se supera realidades cruéis. Apenas.
Mexeu-se com o imaginário. Brincam, zoam, mas haverá desdobramentos outros.
O famoso pedinte tem dado entrevistas e feito gracinhas com mulheres que, inconscientemente, mordem os lábios, enquanto escutam elogios… Acreditando no poder simplório da generalização dos processos indutivos, todos os mendigos invadirão efusivamente inconscientes, suscitando dúvidas?
“Uma mão da direção e outra no carinho”. Prefiro as duas mãos na consciência.
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