Iguatu é uma cidade curiosa. Possui uma cultura oral riquíssima. Quem quer que já tenha conversado com alguém de quarenta anos para cima já ouviu de tudo: de pistoleiros amedrontadores e suas excentricidades; de beatos e santos; de famílias ilustres e suas genealogias; de antigos terrenos de algodão que serviam como despacho para desafetos políticos ou inimigos privados etc.
Há alguns livros sobre suas igrejas, sua antiga ferrovia, seus bairros memoráveis.
Mas sempre que se fala em cultura livresca, isto é, na circulação de livros e na presença de um público leitor em Iguatu, incorre-se em erros e em lacunas exemplares.
Não me refiro à ausência de livros sobre o assunto. Não se trata de um problema bibliográfico. Não chega a ser uma questão política (não sejamos tão exigentes com nossos representantes!). Não podemos também culpar somente o jornalismo local pelas poucas linhas escritas até hoje sobre o assunto.
Se olharmos friamente para o fenômeno, veremos que se trata, em primeiro e último lugar, de um problema cultural (tomo a palavra “cultura”, aqui, em sua raiz de sentido –” o que é cultivado”).
Quem nasceu a partir dos anos dois mil, muito provavelmente, pouco ou nunca ouviu falar na saudosa Vídeo Banca (que, além de alugar fitas e DVDs, também vendia revistas e livros) ou na Sadara, livraria localizada no coração da praça Matriz. Pudera: todo esse patrimônio cultural se desfez muito rapidamente com o advento de novas plataformas.
Aqui preciso dar um salto temporal a fim de situar melhor o leitor em relação à história que queremos contar. Estávamos no olho do furacão da pandemia quando resolvi criar um sebo virtual. O jornal A Praça, para o qual escrevo, fez uma matéria robusta sobre a empreitada.
E, de repente, pareceu que o livro ressurgia das cinzas. Era como se o iguatuense tivesse dormido letárgico e acordado leitor.
Na ocasião de minha entrevista ao jornal, fiz questão de fazer um importante ajuste histórico: muito antes do meu sebo, já existiam dois: o de seu Elomar (falecido) e o do Puskas, ainda ativo no ramo de livros. Eu estava apenas entrando numa ilustre e desconhecida tradição local.
Como ocorre com toda novidade, a coisa não só começou a dar certo como também influenciou (creio eu) a criação de outros sebos virtuais na cidade. Afinal, pouca gente tinha conhecimento dos sebos citados – infelizmente isso ocorre até hoje.
Os mais céticos se perguntavam, então: de onde surgiu esse público leitor? A bem da verdade, ele sempre existiu, embora pequeno e discreto.
Nos idos de 2011, quando aqui cheguei, tomei conhecimento da existência do grupo literário “Clã dos roedores”, formado por quatro poetas iguatuenses que publicavam seus livros de forma independente e se reuniam para debater literatura. Cheguei a ter várias conversas sobre livros com um de seus integrantes, o Paulo Rômulo.
No ano seguinte, travei contato com um clube de leitura que se reunia no antigo supermercado Lagoa para ler e comentar quadrinhos. Por meio do Mário Augusto, o maior colecionador da cidade, soube que o grupo existe até hoje.
Isso para não citar os saraus outrora realizados com frequência aqui; sem contar a presença do professor Everton Alencar, rato de livrarias e sebos, e grande incentivador da cultura local.
Com certeza estou esquecendo algum nome ou movimento anterior à minha chegada aqui (omito a biblioteca pública por que ela ainda existe e é mais conhecida).
Mas o meu propósito aqui não é abarcar o todo, e sim dar a esses “movimentos”, por assim dizer, o lugar que lhes é devido.
Sejam lá quais forem as razões de terem existido ou terem permanecido, contribuíram e contribuem para a transmissão de uma cultura que nunca morreu e nem morrerá: a do livro.
Assim, qualquer um que deseje produzir um conteúdo cultural iguatuense e/ ou regional deve levar em conta essa tradição.
Quem se arvora ao posto de “influenciador”, sobretudo no âmbito livresco, ou pretende difundir o saber, precisa antes conhecer a cultura da qual fala e para qual se dirige.
Marcos Alexandre: Pai de Edgar, leitor, Professor de literatura e redação, cinéfilo e aspirante a escritor.
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