Uma palavra amiga

25/03/2023

Leio numa crônica de Martha Medeiros: “Estar só, totalmente só, é um direito e um dever. Não todo o tempo, mas por um bom tempo, o tempo que a gente precisa para reencontrar a si mesma”. Na veia, Martha.

O grande equívoco dos que se separam, notadamente os homens, sempre mais apressados sob este aspecto (também!), é sair à caça, querendo a custo substituir a pessoa amada, ou que foi amada um dia. A leitura machista, retrógrada, de que só se cura uma paixão com outra paixão!

E o cara se entrega à busca insana, conquista Maria e Joana, mas o abismo só aumenta, fica mais profundo. É que para curar a ‘velha’ paixão, só existe um remédio, e esse remédio tem um nome: ‘Tempo’.

A paixão é felicidade, mas não é a felicidade.

Fazer o quê? Haverá quem me pergunte. Não há fórmulas, receitas prontas. O primeiro passo, como nos adverte a cronista, é procurar ficar de bem com a solidão e aproveitá-la construtivamente. É hora dos bons livros, de ver e rever os grandes filmes, de ouvir as músicas de que você mais gosta – não aquelas que maltratam, e deixam mais aberta a ferida em sangue. Essas, não.

Hora de retomar projetos esquecidos, de fazer, aos poucos, novas amizades, e, o mais importante, de deixar-se ficar só, sem fazer nada previamente pensado…. Esse ócio que nos permite sentir o próprio corpo, educar a respiração, deixar os olhos passearem pelos escaninhos nunca visitados do nosso espaço.

Hora de ocupar o tempo com as pequenas coisas, as miúdas experiências de afeto, inclusive para com você, com os animais, com as árvores, as flores do jardim ou da praça. Afeto para com os desconhecidos que haverão de cruzar o seu caminho…

Descrença no amor, na linha do que escrevi há alguns dias sobre um amigo que foge da paixão? Não, bem longe disso. Uma nova experiência passional é um tipo de premiação para o espírito que se fortaleceu na dor, no silêncio e na solidão, no processo às vezes lento do reencontro consigo mesmo.

A paixão é prêmio para a alma resolvida, nunca um recheio para o coração vazio, quando foi embora o objeto amado. Uma paixão não é algo que se procure de lupa na mão, agulha no palheiro.

A paixão vem do inusitado, daquilo que você jamais previu. A paixão é sorrateira, moleca, brinca de esconde-esconde, de pega-pega; vem de repente, não tolera festa de recepção, por isso jamais avisa quando vai chegar.

Está na belíssima canção de Eduardo Dusek: “Quem será que me chega / na toca da noite? / Vem nos braços de um sonho / que eu não desvendei? / Eu conheço o teu beijo / mas não vejo o teu rosto / Quem será que eu amo / e ainda não encontrei?”

Se está acontecendo com você o mesmo que ao eu lírico desta canção; se ainda não reorganizou por inteiro sua vida e seu coração, não abra mão de um tempo sozinho, esse tempo para o qual não existe preço nem definição – como disse Medeiros, esse tempo é na mesma medida e proporção, um direito e um dever.

Deixe que a novidade venha, espontânea e doce, quando tiver de vir.

E que a novidade seja exatamente isso: uma novidade.

 

Álder Teixeira é Mestre em literatura Brasileira e Doutor em Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais

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