VAE REDITURIS!!!

11/09/2021

“Tempus abire tibi est.” Horatius

 

Abril foi o mais triste dos meses do ano de 1865. Renderam-se os Confederados. A guerra foi perdida. Milhares de homens tentavam voltar para casa, retomar as suas vidas. Isto jamais seria possível.

Nas estradas, nas florestas, centenas de soldados caminhavam no angustiante retorno. As bandeiras do Sul rasgadas em meio a destroços e cadáveres….

Pesada era a alma daqueles homens. A causa sulista era mais nobre, tinha aristocracia de espírito. Mas tudo se perdera… as ricas e brancas mansões, as afortunadas colheitas de algodão, os bailes, a fina poesia daquele modo de viver…

Doloroso e mortal é o caminho de volta para os vencidos.

O capitão Oliver Norton, da Segunda Divisão da Carolina do Sul, caminhava desolado, sem entender bem o que acontecera. Estava maltrapilho, perdera o cavalo, as armas e tinha um longo percurso pela frente…

Deveria voltar para a esposa, para a única filha e para o que restara da fazenda onde moravam antes da guerra. Era um homem rijo, resoluto, já de meia idade e profundamente ligado à família e às tradições. Tinha de voltar…

Seguia o seu rumo como se fosse um barco sem velas, sem leme, levado por frágeis ventos doentios… Mas seguia adiante…

Ia tão amargurado, tão absorto em lamentosas recordações que mal via a paisagem. Parecia que tudo perdera as cores, que ele próprio era um fingido personagem naquele quadro infelizmente real. Estava mesmo ali?

Nós sempre voltamos. A Paz parece estar sempre na volta para casa.

O cansado capitão Oliver Norton via tudo de forma translúcida, aureolado por etéreas névoas… Certamente era o abatimento que a guerra dá ao corpo e ao espírito. Ele ouvia mal, como se tudo estivesse bem distante. Não lembrava se tinha dormido e não sentia fome ou sede.

Todas as suas memórias eram confusas… Um lago de águas turvas.

Andou, andou por muito tempo…. parecia-lhe que sempre tinha caminhado muito mais.

A certa altura, numa planície, viu outros companheiros também a voltar para casa. Saudou-lhes afavelmente, disse algo de consolo, mas não o viram. Ou não quiseram responder. Por quê?

Um dia, finalmente, num frio crepúsculo, avistou a sua casa. Branca, grandes colunas entre faias e carvalhos. Ainda estava lá, intacta. Sua mulher estaria na varanda, a fiar ou a ler algum romance. A menina a brincar com bonecas trajadas como damas. Aguardavam por ele para o jantar.

O capitão correu então como se declinassem suas forças… Afinal, conseguiria abraçá-las. Ulisses sempre volta a Ítaca.

Lágrimas correram pelas faces esquálidas e frias do capitão Norton. Estava chegando…

Voltar não é tão fácil. Voltar, às vezes, é impossível!

Quando o capitão Oliver Norton, do exército Confederado, estava a alguns metros de seu amado lar, subitamente tudo se transformou à sua frente. Estava outra vez no campo de batalha. E então, aterrorizado, viu seu próprio corpo estendido e morto ao chão. Caminhara em círculos. Sonhara.

Ai dos que voltam! Voltar, às vezes, é impossível!!!

 

Professor Doutor Everton Alencar
Professor de Latim da Universidade Estadual do Ceará (UECE-FECLI)

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