Numa semana em que os episódios de violência contra a mulher dominaram o noticiário e foram em maior volume em debates nas redes sociais, e comentários nas plataformas digitais, o jornal A Praça traz nesta edição um panorama das ocorrências e a opinião de autoridades da polícia, e da ciência e psicólogo sobre o assunto.
Apesar das legislações vigentes com a qualificação dos crimes contra a mulher, passando de homicídio simples para feminicídio, o que transforma em crime de natureza grave, com punições e penas mais rigorosas, o homem continua matando quando seu ego é ferido, em não aceitar o fim do relacionamento.
As duas ocorrências da semana têm características bem comuns: cônjuges com ciúmes, ou porque não conseguem conviver com a perda, nem conseguem superar o rompimento de uma relação amorosa e partem para o apelo mais drástico e primitivo: matar.
Segunda-feira, 12 de setembro
Na segunda-feira, 12, uma mulher foi assassinada na Rua 13 de maio, cruzamento com a Rua Monsenhor Coelho. Maria da Conceição, 38, conhecida como ‘Iranir’ foi morta com três golpes de faca, um deles à altura do pescoço. O crime aconteceu na calçada do CEO-Centro de Especialidades Odontológicas, onde a vítima trabalhava como autônoma vendendo lanches. O acusado do crime é S.A.V., ex-marido da vítima. Segundo a polícia, o homem teria matado por ciúmes, porque não aceitava o fim do relacionamento.
Segundo informações, o acusado tentou fugir do local, mas foi contido por populares na Rua José de Alencar, a poucos metros do local do assassinato. Os agentes de segurança que realizaram a prisão disseram que os populares se preparavam para linchar o acusado. Ele foi preso em flagrante e levado para a Delegacia Regional de Polícia Civil, onde foi ouvido pelo delegado de plantão e confessou ter matado a ex-companheira. Agora, S.A.V. aguarda audiência de custódia.
Terça-feira, 13 de setembro
Na terça-feira, 13, outra ocorrência de violência contra a mulher, desta vez no bairro Santo Antônio, na Rua Cel. José Adolfo. Uma mulher sofreu uma tentativa de feminicídio, sendo atingida a golpes de faca, à altura do pescoço, no braço e no rosto. O acusado do crime é o ex-companheiro da vítima, que também não aceitava o fim da relação. A vítima foi socorrida. O homem foi preso em flagrante pela polícia e levado para a Delegacia Regional de Polícia Civil, onde prestou depoimento, confessou o crime e permanece preso aguardando também audiência de custódia.
Cultura, emoções e traumas
A delegada titular da DDM-Delegacia de Defesa da Mulher de Iguatu, Dra. Francisca Alaiane Aguiar Nascimento, disse que “Infelizmente, ainda há questões culturais muito fortes, do homem achar que a mulher é objeto de sua propriedade e não aceitar o fim de uma relação, entendendo que mulher tenha que estar vinculada a ele”, frisou. A delegada ressaltou que as questões culturais estão muito enraizadas e rementem a outros fatores da violência contra a mulher relacionados com as emoções do indivíduo, dos trauma da infância, pois, segundo ela, há estudos científicos que apontam que “Quando a pessoa está numa estrutura familiar desajustada, sem encontrar apoio moral, educacional e afetivo, sem uma base sólida, em geral na vida adulta tende a apresentar problemas emocionais, se tornando insegura, muitas vezes partindo para atitudes agressivas e violentas contra seu cônjuge”, ressaltou.
Ainda de acordo com Alaiane Aguiar, essas pessoas costumam ser possessivas e querem resolver suas diferenças na base da força, da agressão, ameaça e violência. Ela lembrou que crianças muito mimadas pelos pais na infância, que fazem tudo que querem, também poderão se tornar adultos com problemas emocionais e transtornos obsessivos pontuais.
Inicialmente, é importante destacar o significado da expressão “feminicídio”, que configura um tipo específico de homicídio, quando a vítima é acometida pela sua condição de gênero, isto é, por ser mulher. É uma expressão relativamente nova, uma vez que a criminalização prevista em lei é um fenômeno contemporâneo.
Quando analisamos as relações sociais ao longo de nossa história, podemos identificar com facilidade os traços de machismo e misoginia presentes em nossa cultura desde os primórdios, revelando que a violência contra a mulher não configura um fenômeno recente, embora sua criminalização tenha se dado de forma bastante tardia.
Atualmente, com a maior acessibilidade aos meios de informação e mídia, tem se tornado uma constante se deparar com notícias cada vez mais chocantes de barbáries envolvendo mulheres e os finais trágicos de seus relacionamentos. Dentro desse contexto, a Psicologia é convidada a se fazer presente nessa discussão, na tentativa de trazer à luz algum parecer que consiga aliviar a angústia dos que assistem a essas notícias e, especialmente, dos que dela participam e sobrevivem.
Nessa discussão, qualquer análise feita poderia se resumir a apenas um recorte incompleto e descontextualizado do universo de significados que o feminicídio representa hoje em nossa realidade. Poderíamos fazer uma análise do significado de ser mulher em nossa sociedade, por vezes, enfrentando jornada dobrada (profissão e lar), salários em média 20% menores para desempenhar as mesmas funções, dolorosos ciclos fisiológicos como parte da rotina (tpm, menstruação, gravidez, menopausa, etc) além da insegurança que a própria condição de seu gênero lhe impõe, incluindo aí a insegurança de se relacionar e poder escolher encerrar uma relação sem, com isso, encerrar sua própria vida.
Poderíamos fazer ainda uma análise do perfil desses agressores, inseridos numa cultura machista e patriarcal, afetivamente sem habilidades para lidar com o relacionamento que tomba ao fracasso e emocionalmente incapacitados para lidar com suas próprias frustrações e, menos ainda, com as frustrações que lhes foram impostas por um ser (culturalmente/historicamente) inferior: “sua” mulher.
Nenhuma dessas análises, entretanto, conseguiria satisfazer às inúmeras interrogações e reticências que ficam ao final de cada notícia de mais uma figura feminina com a vida interrompida de forma abrupta pela figura desconforme de seu algoz. Portanto, como representante da Psicologia nessa fala, reservo-me a dizer que a nós cabe a escuta e o acolhimento aos que ficam, o suporte e a compreensão aos que se afetam, enquanto nossa sociedade (e autoridades) não consegue encontrar as respostas para essas questões e os meios de evitar que continuem a acontecer.
Lumara Alves, psicóloga
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