Vou me guardar para quando a quarentena passar

10/04/2020

Os abraços se tornaram escassos e as visitas se tornaram restritas. Os passos agora podem ser contados, de poucos, e, para os mais dispostos, podem até ser nomeados.

Já pensou, a cada passo um nome, da sua casa à padaria, quantas passos para você dar nomes de pessoas?

A vida ficou grande para os pequenos espaços, para as pequenas rotinas e as pequenas aventuras.

Sim, porque ir fazer compras é uma Odisseia. Um encontro mais simples, de dois dedos de prosa, de uma tarde com café, já pode ser chamado, se não de obsceno, mas de ousado, atrevido e perigoso.

Aos que tentam, todos os cuidados, todas as limpezas, todos os protocolos.

Como se já não já não fossem demais os protocolos que nos impomos uns aos outros.

E com a morte passeando no ar e nos noticiários, a gente fica com medo de ter perdido o último abraço de quem se quer bem nesses tempos tão estéreis.

Fomos todos confinados à cela do ser, entre poucas paredes, para quase todos.

Alguns tem mais espaço para a solidão, outros tem menos.

A mobília agora é companheira e amiga do peito para se reparar em detalhes, para se compartilhar histórias, para se relembrar dos dias de correr pelo mundo sem imaginar uma prisão dessas.

Os sentidos ficam contidos. Os cheiros são poucos, as imagens vêm mais de janelinhas do que de janelas de verdade.

Nessa nossa gaiola, imagina o primeiro dia de liberdade, de caminhar quantos passos se quiser, até perder a conta ou não precisar contar.

Imagina os abraços de depois desses passos, no final das novas caminhadas, imagina.

Quem poderia imaginar que uma caminhada pelo bairro seria um pecado, que abrir a janela seria uma tentação.

Quem diria que a ordem do dia, depois do Carnaval, seria se guardar para quando a quarentena passar, essa palavra que chegou na contramão atrapalhando o tráfego e mudando a rotina do resto do nosso vocabulário.

Jan Messias é radialista, fotógrafo e estudante de direito

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